A franqueza é uma virtude
Há momentos assim. Meses de abnegada construção de aparências, laboriosas construções semânticas, esforçadas cogitações para dar por boa e adquirida uma certa narrativa e, zás!, num ápice abre-se a boca e é o desastre, o esboroar desse labor. Foi assim com Diana Soller, esforçada propagandista do militarismo dos EUA e da NATO, diligente reprodutora daqueles lugares comuns erigidos a verdades universais, não por o serem mas por tantas vezes repetidas passarem a sê-lo, sem o ser.
Toda aquela conversa sobre a supremacia dos valores do Ocidente, as virtude democráticas atlantista face às «autocracias» orientais, as virtuosas dimensões de sistemas eleitorais do mundo capitalista capaz de reproduzir o que é minoritário em maioria – inspirado na dinâmica reprodutora do capital – se viu num ápice desnudada. A discussão sobre a alhada em que as eleições norte-americanas estão enredadas e o que fazer com Biden que não dando sinais de grande discernimento, se alguma a vez teve, inquieta os democratas a ponto de o substituir na corrida eleitoral, introduzia um dilema que qualquer comum dos mortais julgaria questão maior.
Engane-se o leitor. Com aquela franqueza a que se deve fazer jus, Diana Soller deu à luz mediática a solução capaz de iluminar a negritude do percurso da corrida eleitoral. Disse ela «se os dadores não financiarem a campanha de Joe Biden, será muito difícil que não venha a ser substituído». Não se questiona a assertividade da comentadora ainda que possa surpreender o à-vontade da afirmação só explicável pela genuína concepção de «valores» ali exposta. O que importa registar é o que lhe está subjacente: o desmentido categórico da elevação democrática daquele farol ocidental, da superioridade ética e lisura eleitoral baseada no suborno financeiro, da genuína independência política que dali resultará entre dador e receptor, da nobreza de procedimentos ali revelada se comparada com esses actos eleitorais do Sul global tão banais que dispensam convenções, compra de votos, revelações de escândalos, exposição de vidas pessoais.
E sobretudo, a garantia de que se ganha sempre com 100% se se atender que entre burros e elefantes, ou seja democratas e republicanos, em termos de objectivos é de partido único que se trata.