A Europa

Gustavo Carneiro

Não é exclusivo deste período eleitoral, mas por estes dias tem-se falado muito de «Europa», de projecto e de valores «europeus».

No discurso político-mediático dominante, a União Europeia e o euro estão acima de qualquer avaliação e crítica, partidos e candidatos dividem-se entre «europeístas» e «eurocépticos» e ai de quem, em comícios ou debates televisivos, ouse falar sobretudo do País e dos seus problemas e não da tal «Europa».

Mas que «valores» são estes? De que «Europa» falam? A da Inquisição ou a das Luzes? Do nazi-fascismo ou dos partisans? A Europa do colonialismo e do tráfico de escravos ou a das lutas emancipadoras? Do Tratado de Versalhes, essa paz ditada por bandidos, ou da Conferência de Helsínquia? A do neoliberalismo ou a dos direitos sociais e laborais conquistados, no pós-Segunda Guerra, pelo movimento operário e popular e pelos partidos comunistas? A Europa fortaleza e dos milhares de mortos no Mediterrâneo ou aquela que se formou a partir de sucessivas vagas migratórias e da convivência de diferentes povos, culturas e religiões? A que se emocionou com a Revolução de Abril ou a que, juntamente com os donos norte-americanos, conspirou para a travar?

É que tudo isto é a «Europa» e era importante que os que tanto falam dos «valores europeus» explicassem em que europas e valores se revêem…

Quanto ao processo de integração, propositadamente confundido com «Europa» (então e a Suíça, a Noruega, a Sérvia, a Rússia?), são-lhe atribuídas todas as virtudes e poucas ou nenhuma falha: o que é positivo deve-se à União Europeia, o que corre mal sucede apesar dela, garantem-nos. Mas como se coaduna isto com a desigualdade crescente entre Estados-membros e, dentro de cada um deles, entre uma minoria de muito ricos e a maioria de desapossados? Na Alemanha, 10% da população concentra 63% da riqueza e em Portugal essa parcela ultrapassa os 50%. Os principais bancos europeus registaram «lucros tremendos» em 2023 (a expressão é da agência de rating DBRS), ao mesmo tempo que quase 73 milhões de pessoas se encontram em risco de pobreza – a UNICEF informa que uma em cada quatro crianças se encontra nesta situação.

Apesar das promessas de convergência, feitas aquando da adesão à então CEE, Portugal está mais longe das principais potências em importantes índices: tinha, em 2022, o sexto rendimento médio por habitante mais baixo.

Já a UE como «jardim» de paz e liberdade choca de frente com a submissão à NATO (inscrita nos tratados), o desvio de fundos de coesão para armamento, a censura de canais de televisão, a proibição de manifestações contra o genocídio em Gaza.

«Europa» para quem? Ao serviço de quê? Estas sim, são questões fundamentais. Bem mais importantes do que chavões.

 



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