Que ninguém fique para trás

Jorge Pires (Membro da Comissão Política)

Metade dos 25 mil professores e educadores não verá nem um dia recuperado

Nos últimos dias, o País assistiu a uma grande operação mediática do Governo da AD (PSD e CDS) e dos seus comentadores de serviço a propósito da decisão sobre a recuperação do tempo de serviço congelado aos professores e educadores. Decisão cuja forma e conteúdo não pode deixar de ser interpretada à luz da postura que PSD e CDS tiveram ao longo dos anos.

Não está em causa o facto de se estar perante um avanço. O que está em causa é o acordo assinado entre o Governo e os sindicatos afectos à UGT ter deixado para trás mais de 25 mil professores e educadores, não permitindo que estes recuperem o todo ou parte do tempo de serviço que lhes foi espoliado em dois períodos distintos: entre 30 de Agosto de 2005 e 31 de Dezembro de 2007 e entre 2011 e 2018, num total de 9 anos, 4 meses e 2 dias (cerca de 25% da carreira de uma professor), com apenas uma recuperação de dois anos, em 2019.

Neste momento, são 6 anos, 6 meses e 23 dias o tempo que cerca de metade dos 25 mil não verá nem um dia recuperado, já para não referir os que, entretanto, saíram para a reforma e que também não viram o seu tempo trabalhado contabilizado para efeitos de pensão.

O resultado alcançado, apesar de limitado, deve-se em primeiro lugar à prolongada e intensa luta dos professores e educadores, na qual se incluem algumas das maiores acções de massas realizadas por um sector profissional. Mas também ao facto de PS, PSD e CDS nunca terem mostrado interesse em resolver o problema, votando contra ou abstendo-se nas propostas apresentadas pelo PCP, impedindo que fossem aprovadas.

Desprezando o facto da contabilização do tempo de serviço ser um direito inalienável dos professores e educadores, PS, PSD e CDS invocaram muitas vezes os custos da medida, na tentativa de esconder a verdadeira razão para a negação deste direito: a destruição da carreira que os docentes conseguiram com a sua luta.

Não podemos esquecer o que ocorreu em 2019, quando PSD e CDS traíram os professores e educadores, ao votarem contra, em votação final global, a proposta do PCP, voltando atrás relativamente à votação na especialidade (em que tinham votado favoravelmente). Nessa altura o País tinha um governo de minoria do PS, o que permitiria, caso PSD e CDS realmente o quisessem, garantir a contabilização total do tempo.

Concretizar para todos o direito à educação

Um dos argumentos que sustentam a campanha mediática é a ideia de que agora a questão da instabilidade nas escolas está ultrapassada. Ou seja, para o Governo e seus apaniguados nos media, o descontentamento e luta dos professores são a causa dessa instabilidade. Nada mais falso!

Estamos no final do ano lectivo, aproxima-se rapidamente o novo ano lectivo, e não se vêem quaisquer medidas para que este se inicie com tranquilidade e estabilidade: mantêm-se a gritante falta de professores e educadores, a precariedade dos técnicos especializados, a falta de recursos e meios para uma escola verdadeiramente inclusiva e continua distante o cumprimento do rácio de psicólogos por estudante.

Uma leitura atenta do programa do Governo da AD permite-nos identificar muitos motivos para ficarmos preocupados relativamente à estabilidade do próximo ano lectivo. Estamos perante um documento que, no essencial, aponta para um conjunto de alterações que visam a concretização dos projectos da direita, apontando a uma alteração radical da organização e dos conteúdos do sistema educativo. A título de exemplo, a revisão da Lei de bases do Sistema Educativo (LBSE), cujo sentido ainda não foi tornado público, mas não se afastará de anterior tentativa, então vetada pelo Presidente da República, será certamente um dos maiores problemas que a Escola Pública vai enfrentar.

É um Programa com um conjunto grande de ambiguidades em relação às políticas educativas, que não apresenta uma visão coesa sobre o que se pretende para a educação, que tem um conjunto de medidas desgarradas que funcionam com remendos, para tentar colmatar e/ou encobrir problemas mais prementes, como a falta de professores.

O que é necessário neste momento é garantir que o próximo ano se inicie com toda a tranquilidade, o que implica investimento em instalações e recursos didácticos, a redução do número de alunos por turma, o reforço da acção social escolar, o alargamento da gratuitidade dos manuais escolares aos livros de fichas, a eliminação dos exames e a valorização da avaliação contínua, a contratação dos trabalhadores em falta, tal como é fundamental valorizar a carreira e a profissão docente para atrair mais jovens.

A luta pela Escola Pública, gratuita, de qualidade e verdadeiramente inclusiva para todos, é a única forma de assegurar a concretização do direito constitucional à educação e ao ensino, independentemente da origem e condição de cada um, que promova o desenvolvimento integral e a emancipação individual e colectiva da juventude, da população e dos trabalhadores em particular.

 



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