Direito ao desporto – riscos e necessidades

Patrícia Machado (Membro da Comissão Política)

O des­porto está cada vez mais sob a in­fluência de in­te­resses eco­nó­micos

O des­porto e a sua função, em todas as suas di­men­sões, não visam apenas a busca dos «ca­pazes» ou a luta contra o se­den­ta­rismo. Ele tem um papel e uma função que vão muito para além disso: edu­ca­tiva e de saúde pú­blica, uma função so­cial, cul­tural, re­cre­a­tiva, eco­nó­mica. «O Des­porto deve adaptar-se a todos os que o pra­ticam, de­sejam pra­ticar e devem pra­ticar e não estes ao pró­prio des­porto» (Des­porto para todos Re­quiem – Al­fredo Melo de Car­valho).

Os con­tactos que o Par­tido tem re­a­li­zado – e em par­ti­cular os do Se­cre­tário-Geral com o Co­mité Olím­pico de Por­tugal e as fe­de­ra­ções de An­debol, Bas­que­tebol, Fu­tebol, Pa­ti­nagem e Vo­leibol – con­firmam as pre­o­cu­pa­ções iden­ti­fi­cadas.

Existem di­versos pe­rigos que pre­cisam de ser tidos em conta, desde logo a pro­cura pelos su­ces­sivos go­vernos, mais re­cen­te­mente por via do Pro­grama Es­tra­té­gico do Des­porto Es­colar, de des­vir­tuar a acção pe­da­gó­gica nas es­colas. O mo­vi­mento as­so­ci­a­tivo tem um in­dis­pen­sável papel, para o qual pre­cisa de ter meios e con­di­ções para o de­sen­volver, mas a es­cola tem uma função edu­ca­tiva e pe­da­gó­gica que não pode ser posta em causa ou de­le­gada. Ambos se com­ple­mentam, mas cada um com a sua função.

A es­cola deve res­ponder às ne­ces­si­dades das cri­anças e dos jo­vens, não as do mer­cado (neste caso do mer­cado des­por­tivo).

 

O papel da es­cola

Hoje o tempo que as cri­anças e jo­vens têm – entre pe­ríodo lec­tivo, TPC e ex­pli­ca­ções – chegam a atingir as nove horas de «tra­balho diário». São co­nhe­cidas as re­co­men­da­ções de 60 mi­nutos de ac­ti­vi­dade mo­tora diária para um de­sen­vol­vi­mento sau­dável, para a saúde, para o au­mento da ca­pa­ci­dade cog­ni­tiva. Mas a re­a­li­dade com que es­tamos con­fron­tados é que é pra­ti­ca­mente ine­xis­tente a Edu­cação Fí­sica no 1.º ciclo; o Des­porto Es­colar in­tegra apenas 20% da po­pu­lação es­colar; 73% da po­pu­lação por­tu­guesa não tem qual­quer prá­tica des­por­tiva. Sabe-se também que o des­porto está cada vez mais sob a in­fluência de in­te­resses eco­nó­micos, cons­ti­tuindo-se como novo mer­cado de con­sumo, re­ti­rando-lhe o valor que deve ser o seu.

Todos falam da im­por­tância do des­porto, muitos va­lo­rizam os feitos com­pe­ti­tivos, no­me­a­da­mente a nível in­ter­na­ci­onal, mas o que se sabe é que a po­lí­tica se­guida é a de um or­ça­mento por via do IPDJ para todo o sector que é me­tade da verba que, por exemplo, a FPF tem; que o PRR não con­templa verbas para o sector; que existem clubes e equipas que se des­locam para com­pe­ti­ções sem qual­quer acom­pa­nha­mento mé­dico; que não existe um plano que ga­ranta o pós-car­reira dos que de­dicam anos da sua vida a re­pre­sentar o País; que o Des­porto Es­colar, e ou­tras áreas, são fi­nan­ci­ados pelas re­ceitas dos jogos so­ciais, ou seja, são de­pen­dentes.

Mas tudo isto tem ob­jec­tivos que põem em causa o di­reito ao des­porto, entre os quais trans­formar o pra­ti­cante des­por­tivo em cli­ente, pro­fis­si­o­na­lizar os di­ri­gentes as­so­ci­a­tivos ou criar a ideia da res­pon­sa­bi­li­zação in­di­vi­dual, com a fa­mosa linha da «ac­ti­vi­dade fí­sica» ou do «mexa-se pela sua saúde», em vez da res­pon­sa­bi­li­dade so­cial do Es­tado para ga­rantir uma al­fa­be­ti­zação des­por­tiva com as con­di­ções e meios ajus­tados a cada es­tádio de de­sen­vol­vi­mento hu­mano.

 

Di­fe­rentes vi­sões

Se dú­vidas hou­vesse sobre quais as pre­o­cu­pa­ções que têm exis­tido é as­sistir à dis­cussão dos pro­jectos na As­sem­bleia da Re­pú­blica, que ex­põem a ideia do des­porto en­quanto ne­gócio e não um di­reito. Exemplo foi o do pro­jecto do PS sobre «Danos dos pra­ti­cantes des­por­tivos», que no seu con­teúdo visa ga­rantir os di­reitos das se­gu­ra­doras e não dos atletas. A ar­gu­men­tação é o ele­vado valor dos sa­lá­rios dos jo­ga­dores (de fu­tebol). Im­porta ter em conta que mesmo essa ar­gu­men­tação não en­caixa em mais de 90% dos casos, sendo que di­reito é di­reito: a média sa­la­rial na Liga Bwin é de 2280 euros; da Liga Sabseg 2 de 1330, da Liga 3 de 1140. Em ou­tras com­pe­ti­ções, mas­cu­linas e fe­mi­ninas, é de 760 euros.

Da parte do PCP tudo con­ti­nu­a­remos a fazer para de­fender, va­lo­rizar e exigir o des­porto a que os por­tu­gueses têm di­reito. Para tal, fica o de­safio para chegar mais longe no con­tacto junto de mais pra­ti­cantes, atletas, di­ri­gentes as­so­ci­a­tivos, pro­fes­sores de Edu­cação Fí­sica, desde logo para par­ti­ci­parem na Festa do Avante!, festa do des­porto, onde para além do vasto pro­grama des­por­tivo (do qual se des­taca a Cor­rida da Festa) ha­verá uma ex­po­sição no Es­paço da Ci­ência com o tema «Que des­porto temos, que des­porto pro­pomos».




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