Amigo fatal

Jorge Cadima

EUA querem reindustrializar-se à custa dos seus vassalos

O jornal americano-alemão Politico fala da desindustrialização da Alemanha (politico.eu, 13.7.23): «As maiores empresas alemãs estão a abandonar a pátria», «desde gigantes como a Volkswagen e Siemens até um grande número de empresas mais pequenas» que «procuram melhores paragens na América do Norte e Ásia». Acrescenta: «é difícil evitar a conclusão que a Alemanha se encaminha para um declínio económico muito mais profundo» e que «a erosão do núcleo industrial da Alemanha terá um impacto substancial no resto da União Europeia». O processo tem uma clara marca de classe: «As grandes empresas alemãs podem sobreviver e prosperar com ou sem a Alemanha [...] simplesmente transferir-se-ão para outras paragens. Mas para a Alemanha isso significará menos empregos com altos salários e uma menor base fiscal, para não falar da ameaça dum declínio económico sustentado e instabilidade política». O artigo adianta que «a população em geral parece estar alegremente inconsciente dos desafios económicos que a esperam, mas quem está na primeira linha não tem quaisquer ilusões».

Porquê esta destruição económica da Alemanha, de que o grande capital tem plena consciência mas a comunicação social de massas ao seu serviço ainda esconde? «Em palavras simples, a fórmula que tornou a Alemanha na locomotiva industrial da Europa – uma mão de obra altamente qualificada e empresas inovadoras alimentadas por energia barata – desfez-se», diz o jornal. Fala no aumento dos custos energéticos na sequência do agravamento da guerra na Ucrânia, mas não diz que este aumento é fruto das sanções e mecanismos de preços de energia da UE. Não refere o atentado terrorista ao gasoduto Nord Stream 2, gasoduto encomendado pela Alemanha para ter «energia barata». Objectivo que sempre teve a oposição dos EUA. Já antes das sanções de Trump de 2019, «em 1982 Ronald Reagan impôs sanções às empresas internacionais que participavam na construção dum gasoduto Soviético para a Alemanha Ocidental» (politico.eu, 22.1.21) – curiosamente, o tema do trabalho de fim de curso de Blinken, actual MNE dos EUA.

Algo semelhante se passa com Taiwan. O jornal chinês Global Times escreve (5.8.23): «Sob pressão dos EUA, a TSMC [gigante da produção de semi-condutores], tal como outros fabricantes de chips de Taiwan, foram obrigados a abrir fábricas nos EUA». Um dirigente da oposição em Taiwan diz que «mais de 500 engenheiros de Taiwan e suas famílias foram relocalizados nos EUA [...] e as chaves dos serviços de abastecimento, clientes e outra informação fulcral da TSMC serão provavelmente entregues ao Ministério do Comércio dos EUA». O artigo afirma: «o objectivo último dos EUA é desenvolver a sua capacidade interna de produção e cadeias de abastecimento, reduzindo a sua dependência da produção de chips em Taiwan». Também com um objectivo militar: «Logo que os EUA completem a relocalização do processo produtivo avançado da TSMC, a ilha de Taiwan terá maior probabilidade de se tornar uma verdadeira linha da frente militar».

Os EUA querem reindustrializar-se à custa dos seus vassalos. Tal como as pragas de gafanhotos, depois de destruírem a vegetação devoram-se uns aos outros. Já Henry Kissinger alegadamente disse que «ser-se inimigo da América é perigoso, mas ser-se amigo é fatal».




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