José Dias Coelho, o artista e o militante evocado no centenário do seu nascimento
O PCP e a Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa – que apoiou a iniciativa – evocaram, domingo, 18, José Dias Coelho no seu centenário, sublinhando o artista e militante, «um exemplo de compromisso e intervenção que hoje, em condições diferentes, nos interpela e desafia», como sintetizou Paulo Raimundo.
O exemplo de José Dias Coelho interpela e desafia-nos
A iniciativa decorreu um dia antes de se assinalarem os 100 anos sobre o nascimento (19 de Junho de 1923) desse «homem generoso a quem o fascismo ceifou a vida aos 38 anos [a 19 de Dezembro de 1961, n-d.r], esse homem que tudo arriscou e tudo sacrificou, incluindo a sua carreira artística, como escultor, para se dedicar por inteiro, como funcionário clandestino do PCP, à luta pela libertação do seu povo, à luta pela emancipação dos trabalhadores e de todos os povos, e à luta do seu Partido pela conquista da sociedade nova, pelo socialismo», lembrou o Secretário-geral do PCP.
Antes do dirigente comunista intervir no encerramento da sessão, e na qual não faltaram apontamentos culturais protagonizados pelos actores Mafalda Santos e Simon Frankel (leram, em dois momentos, poemas de Mário Castrim, Carlos Aboim Inglez, Eugénio de Andrade e Alda Nogueira dedicados a José Dias Coelho), e pelos músicos Manuel Pires da Rocha e João Queirós (interpretaram «A Morte Saiu à Rua», de Zeca Afonso, e «Tejo que Levas as Águas», poema de Manuel da Fonseca musicado por Adriano Correia de Oliveira), usaram da palavra, o Professor Dr. João Paulo Queiroz e o Professor Dr. Eduardo Duarte.
A preceder, o Presidente da Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa (FBAUL), Professor Dr. António de Sousa Dias de Macêdo, saudou a presença do Secretário-geral do PCP e de todos os «camaradas, amigos». Transmitiu, além do mais, que «é com emoção que a FBAUL se associa e acolhe a sessão de homenagem a José Dias Coelho, aluno desta escola, que perdeu a vida assassinado pelo regime de Salazar».
«O seu sentido de participação cívica, de actividade artística e política, a sua obra, merece ter um lugar de exemplo para todos nós», acrescentou.
Homem de cultura integral
João Paulo Queiroz, presidente da Direcção da Sociedade Nacional de Belas Artes (SNBA), salientou a enorme importância da obra plástica de José Dias Coelho, mas concentrou a sua comunicação, pautada com registos documentais e fotográficos exibidos à plateia que encheu o auditório da FBAUL, na intervenção e papel desempenhado pelo artista e militante revolucionário na luta e unidade antifascistas, particularmente entre os círculos artísticos e intelectuais.
Assim, João Paulo Queiroz chamou a atenção para a integração de um numeroso contingente de destacadas personalidades na fundação do MUD-Juvenil, bem como para o entusiasmo, determinação e coerência de José Dias Coelho na renovação da SNBA e na fundação e afirmação das Exposições Gerais de Artes Plásticas. Estas, a partir de 1946, constituem um momento central na ruptura político-cultural com as mostras e cânones oficiais do regime fascista, provocando enorme impacto social – pelos conteúdos, tendências e artistas incluídos, pelo facto de não terem júri e estarem disponíveis à noite, permitindo às classes trabalhadoras a sua visita, entre outros aspectos –, e acabam por ser alvo da repressão da ditadura.
Primeiro, com a PIDE a apreender várias obras expostas no certame realizado em 1947. Depois, com Salazar e o seu séquito a imporem aos sócios da SNBA alterações estatutárias sob ameaça de encerramento compulsivo da estrutura, como de resto sucedeu com os escritores, frisou João Paulo Queiroz.
Já Eduardo Duarte, historiador de arte e professor da FBALUL, que interveio em representação desta, sublinhou a necessidade de catalogar e estudar a obra plástica de José Dias Coelho, «um bom e interessado aluno desta casa» que alunos e professores devem ter presente, «um artista que foi desenhador, ilustrador, gravador, ceramista, pintor, escultor e escritor». Neste último caso com destaque para o livro «A Resistência em Portugal», redigido em colaboração com a sua companheira e funcionária clandestina do PCP, Margarida Tengarrinha, um livro reeditado pela Editorial Avante! «que todos devem ler», até porque «tem um recorte literário», considerou.
O docente relevou, ainda, várias obras do artista plástico que foi José Dias Coelho, numa «escolha pessoal» mas que teve o condão de mostrar não apenas a qualidade «notável» mas a quantidade e o carácter multifacetado das criações, deixando claro que, «afinal, a obra plástica de José Dias Coelho não é assim tão pequena». De resto, três exposições foram-lhe já inteiramente dedicadas: em 1975, em 2008, e, mais recentemente (2018), no Museu do Aljube, precisou Eduardo Duarte.
Exemplo revolucionário
Entre uma e outra daquelas intervenções, tempo houve para ouvir uma mensagem dirigida à iniciativa pela companheira de José Dias Coelho, Margarida Tengarrinha, impossibilitada de estar presente.
Teresa Dias Coelho, filha de José Dias Coelho e Margarida Tengarrinha, leu uma carta em que a também artista plástica e militante comunista lembrou que «nestes cem anos abriram-se algumas luzes que iluminam a história e ficarão imorredouras».
«Para todos os que combatemos o fascismo foi a glória vitoriosa do 25 de Abril, que nem os sucessivos avanços dos partidos de direita conseguirão alguma vez encobrir, e nessa tu e todas as outras vítimas do fascismo caminharam ao nosso lado, certo de que não deram o seu sangue em vão», escreveu, igualmente, Margarida Tengarrinha, que aproveitou a ocasião para sublinhar a firmeza de carácter e as inabaláveis convicções de José Dias Coelho, e a postura terna e fraterna para com os que estimava e amava.
No encerramento de uma sessão conduzida por Joana Costa, membro da JCP, Paulo Raimundo saudou e agradeceu «à FBAUL, na pessoa do seu Presidente, Professor Doutor António de Sousa Dias de Macêdo, todo o apoio e disponibilidade para a realização desta muito sentida e merecida homenagem». Estendeu os agradecimentos a todos os oradores e protagonistas de apontamentos culturais, bem como «a todos os camaradas e amigos que pensaram e levaram por diante esta simples mas muito significativa iniciativa».
Iniciativa destinada a assinalar o centenário de José Dias Coelho e para a qual «muitos seriam os locais adequados», mas o dirigente comunista considerou ter especial significado «fazê-lo aqui, nesta prestigiosa casa da arte (…) que José Dias Coelho frequentou e honrou, com o combate que travou, com outros companheiros mas também com iniciativa própria, pelo direito à livre criação artística e cultural, rompendo o cerco ao apertado controlo sobre a produção cultural da ditadura e das suas práticas censórias e manipuladoras».
O Secretário-geral do PCP aludiu, depois, à exposição patente no átrio do auditório, que suscitou muito interesse entre os participantes, e na qual se mostra «o percurso do homem que hoje e sempre será lembrado pelo seu Partido, pelos seus camaradas, por muitos que tiveram o privilégio de com ele privar», mas também «por muitos outros que não se cruzaram com ele em vida mas reconhecem e valorizam o seu exemplo».
Um percurso feito de «dignidade e verticalidade que permanecerá na memória colectiva do povo», detalhou Paulo Raimundo, que, em seguida, relevou o «trajecto de combatente» de José Dias Coelho, sinalizando ser este «o tempo próprio para alertar para a necessidade de intensificar a luta contra o revisionismo histórico, que branqueia e banaliza os crimes do fascismo, fomenta o anticomunismo e promove o obscurantismo cultural».
Lembrou, por outro lado, que tal como antes, «hoje se coloca como tarefa dos comunistas a criação de unidade com outros democratas»; que a luta, a dedicação, o esforço do revolucionário, do intelectual e artista não foram em vão», já que, «com o seu contributo, os militares progressistas, o nosso povo e os trabalhadores fizeram a Revolução de Abril e puseram fim ao fascismo».
«José Dias Coelho não chegou a 25 de Abril de 1974, não conheceu as profundas transformações revolucionárias que haveriam de mudar Portugal e se traduziram num extraordinário progresso da sociedade portuguesa». Todavia, «cem anos depois do nascimento de José Dias Coelho e perante a evidência que o caminho em curso não serve o País, os trabalhadores, o povo e os democratas e patriotas estão, mais uma vez, perante uma opção e um desafio», que é o de «romper com a política de direita» e «construir a alternativa patriótica e de esquerda, respeitadora e concretizadora dos valores de Abril», prosseguiu.
«A vida de José Dias Coelho é um exemplo de dedicação, de coragem, de entrega à causa dos trabalhadores e do povo que nos honram e que queremos guardar para sempre como património da nossa luta colectiva e da luta do nosso povo», acrescentou Paulo Raimundo, para quem «ele é bem exemplo da importância do trabalho colectivo e de compromisso, disciplina e disponibilidade revolucionária».
«Um exemplo de compromisso e intervenção que hoje, em condições diferentes, nos interpela e desafia», concluiu o Secretário-geral do PCP.