75 anos de crimes e promessas adiadas

Ângelo Alves

O Estado da Palestina continua a não existir

Assinala-se esta semana os 75 anos da «Naqba» (Catástrofe), a palavra com que o povo descreve a operação de agressão, terror e expulsão desencadeada aquando do plano de partição da Palestina e da criação do Estado de Israel em 1948. Se a decisão da criação do Estado judaico em 53% do território da Palestina era por si só uma questão historicamente complexa – inseparável do modo como o imperialismo lidou em geral com os processos de descolonização e em particular com a questão do Médio Oriente, visando o controlo da região e das suas riquezas –, a forma como tal plano e decisão foram implementados ficará para a História como um hediondo exemplo de violência, racismo, limpeza étnica e crimes terríveis.

Só entre 1948 e 1949 quase 800.000 palestinianos foram forçados por via de indizíveis campanhas de terror a abandonar as suas casas e as suas terras. Cerca de 600 aldeias e vilas palestinianas foram destruídas. Ficam para a história massacres como o de Deir Yassin, a 11 de Abril de 1948, onde foram mortas centenas de pessoas, incluindo mulheres e crianças. Cerca de 80% da população árabe que vivia nos territórios atribuídos para a criação de Israel foi expulsa e condenada à condição de refugiados, que se mantém até hoje.

Entretanto o processo histórico avançou. Israel é hoje, como se sabe, um Estado independente. Mas se tal é uma verdade inegável, há uma outra, igualmente inegável e dura: é que esse mesmo Estado de Israel é a potência ocupante que há décadas oprime e violenta o povo palestiniano e ocupa a sua terra. É esse Estado de Israel que, com o apoio dos EUA e das potências capitalistas europeias, impede até aos dias de hoje que se concretize a promessa da criação do Estado da Palestina nas fronteiras de 1967 e que espezinha os direitos nacionais do povo palestiniano, também consagrados pela ONU.

A verdade nua e crua é que, desde 1948 até hoje, a violência tem sido sempre o instrumento usado para negar aos palestinianos os seus direitos, para expandir o Estado de Israel muito para lá das fronteiras estabelecidas inicialmente e para inviabilizar, na prática, a solução de dois Estados consagrada pela ONU e aceite, em nome da paz, pela Organização de Libertação da Palestina. A verdade é que nem as dolorosas concessões de 1967 ou dos Acordos de Oslo – que previam a edificação do Estado da Palestina em apenas 22% do território da Palestina histórica – fizeram com que Israel parasse e permitisse a criação do Estado da Palestina com capital em Jerusalém. Aquilo que hoje existe são territórios palestinianos esquartejados pela ocupação e colonização e massacrados constantemente pela violência, guerra e provocações. A verdade é que de guerra em guerra, de massacre em massacre, de negociação em negociação, Israel tem sempre desrespeitado a legalidade e os acordos e aprofundado a colonização e a violência. Quando hoje tanto se fala dos dois Estados para tentar atacar quem resiste na Palestina, a verdade é que desde o início que Israel tenta impedir essa solução por via de uma tenebrosa estratégia que combina guerra, terror e factos consumados.

Cabe-nos a nós, nesta data tão carregada de simbolismo, continuar a afirmar a nossa inabalável solidariedade para com o povo da Palestina e a sua heróica luta pelos seus direitos, pela justiça e por uma paz justa e duradoura no Médio Oriente, que só será possível com o respeito pelo povo palestiniano e os seus direitos nacionais.



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