Cowboiadas

Jorge Cordeiro

Entretidos que andarão com os rocambolescos acontecimentos no Ministério das Infraestruturas, reportados nas suas diversas versões em função da visão de cada guionista, pouco espaço sobrará para escrutinar o que de substancial e politicamente relevante fica submerso. É uma evidência difícil de negar que a narrativa fará inveja a muitas produções holiwoodescas, seja a que preencheria em parte o que é próprio de westerns (fazendo juz à nossa costela ocidental que a designação do estilo traduz, seja na já referida, seja na de far west) seja em filmografia que celebrizou Al Capone.

Na vertigem do que se vai registando e acrescentando – o conhecido ditado «quem conta um conto acrescenta um ponto» tem, na criação jornalística, perfeita realização – não faltam narrações sobre portáteis surripiados, níveis de confidencialidade da informação aí transportada, quebra da pacatez ministerial por berrarias e correrias diversas, a persistente dúvida que corrói a investigação mediática sobre o eventual sequestro de funcionárias ou a mera procura de refúgio nas instalações sanitárias do gabinete. Ao que ainda se deverá de aduzir, por fim mas não menos importante, a reportada mobilização de forças de ordem, que do porteiro do Ministério à PSP, da Judiciária ao SIS, se terão visto metidos ao barulho, num alvoroço tal que só pelas razões que se conhecem – avaria de motores e falta de combustível – a corveta Mondego não terá sido chamada ao local.

Como as palavras são como as cerejas, perdida terá ficado o que antes do desenrolar de texto se queria sublinhar. Ou seja, a forma despercebida com que passou a tantos e zelosos escrutinadores mediáticos, a significativa razão que no rescaldo da desarmonia ministerial terá levado Costa a depositar todas as fichas no seu ministro Galamba – a de ver nele, como quis explicitar, a pessoa a quem confia como principal missão a de levar até ao fim o criminoso processo de privatização da TAP.



Mais artigos de: Opinião

É com a luta e o reforço do PCP que lá vamos!

Corre tinta e muito palavreado produzido pelos fazedores da opinião publicada e condicionadora da opinião pública ao serviço do grande capital, que, andando na espuma do essencial, foge dos problemas reais como o «diabo da cruz», promovendo ideias, princípios e valores contrários aos de Abril....

75 anos de crimes e promessas adiadas

Assinala-se esta semana os 75 anos da «Naqba» (Catástrofe), a palavra com que o povo descreve a operação de agressão, terror e expulsão desencadeada aquando do plano de partição da Palestina e da criação do Estado de Israel em 1948. Se a decisão da criação do Estado judaico em 53% do território da Palestina era por si só...

Sem disfarce

«Em termos simples, a guerra russa na Ucrânia dividiu o mundo e uniu o Ocidente – por enquanto. Identifico três campos: a Ucrânia e os seus apoiantes ocidentais; a Rússia e a sua aliança com a China, cuja natureza não conhecemos para além de palavras e de apertos de mão; e um terceiro campo que poderia ser descrito como...

Não podemos ignorar

«Vemos, ouvimos e lemos, não podemos ignorar» – este verso de Sophia de Mello Breyner Andersen, que Francisco Fanhais musicou em 1970, foi um grito contra as injustiças, a guerra e a repressão que amordaçavam Portugal em pleno período fascista. Um grito que, longe de estar datado, se projecta na actualidade face às...

«Inteligência artificial»

A primeira advertência que há a fazer neste texto é que não se irá falar da muito séria questão da inteligência artificial senão em termos de semântica: as duas palavras juntas podem ter vários sentidos. Ou seja: quando vemos o cortejo da generalidade dos comentadores encartados nos media dominantes, é quase...