Pobre «classe média»

Filipe Diniz

Há dias um jor­na­lista es­crevia, re­la­tando a di­fi­cul­dade de al­guém em aceder a ha­bi­tação pró­pria, que essa pessoa tinha um ren­di­mento de 1000 euros, ou seja, «per­tencia à classe média».

In­só­lita afir­mação que po­derá ter vá­rias jus­ti­fi­ca­ções. Ou o jor­na­lista é um dos muitos pro­fis­si­o­nais da in­for­mação cujo sa­lário alinha pelo in­di­gente mí­nimo – e muito pro­va­vel­mente abaixo deste – ou então andou a con­sultar a OCDE.

Essa or­ga­ni­zação, tra­ba­lhando sobre dados de 2019, con­si­dera que per­tence à «classe média» por­tu­guesa quem ganhe, no mí­nimo, entre 10 e 15% mais do que o SMN, e três ou quatro vezes mais, no má­ximo. Uma bi­tola que ar­ruma na «classe média» quem ganhe mais 58 euros que um SMN que não dava para viver na al­tura, e que hoje ainda menos dá.

A classe do­mi­nante sempre ad­mitiu pa­tro­cinar ca­madas so­ciais que con­fi­gu­rassem uma zona tampão entre os que têm tudo e os que nada pos­suem. Ex­tractos que se si­tu­assem so­cial (e ide­o­lo­gi­ca­mente) «a meio». Se não existem, in­ventam-se, como faz a OCDE.

Do ponto de vista ide­o­ló­gico não deixou de ter su­cesso, e isso per­ma­nece um pro­blema. Mas do ponto de vista eco­nó­mico e so­cial a coisa vai per­dendo sus­ten­tação. E o facto re­sulta da pró­pria na­tu­reza do ca­pi­ta­lismo. Do pro­cesso ine­xo­rável de cen­tra­li­zação da ri­queza em cada vez menos mãos, de um fosso so­cial cres­cente, de um muito ge­ne­ra­li­zado em­po­bre­ci­mento. No nosso país o sa­lário médio é cada vez mais pró­ximo do sa­lário mí­nimo e, a manter-se a taxa de evo­lução ac­tual, até ao final da dé­cada coin­ci­dirá com este.

A re­a­li­dade ob­jec­tiva re­per­cute-se ine­vi­ta­vel­mente no plano sub­jec­tivo. No es­tudo men­ci­o­nado Por­tugal é, de longe, o País em que menor per­cen­tagem da po­pu­lação con­si­dera per­tencer à «classe média». Com toda a razão, não se sente «a meio». E quanto mais cresça a luta do povo, me­lhor en­ten­derá o lugar certo nessa luta.




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