Pobre «classe média»
Há dias um jornalista escrevia, relatando a dificuldade de alguém em aceder a habitação própria, que essa pessoa tinha um rendimento de 1000 euros, ou seja, «pertencia à classe média».
Insólita afirmação que poderá ter várias justificações. Ou o jornalista é um dos muitos profissionais da informação cujo salário alinha pelo indigente mínimo – e muito provavelmente abaixo deste – ou então andou a consultar a OCDE.
Essa organização, trabalhando sobre dados de 2019, considera que pertence à «classe média» portuguesa quem ganhe, no mínimo, entre 10 e 15% mais do que o SMN, e três ou quatro vezes mais, no máximo. Uma bitola que arruma na «classe média» quem ganhe mais 58 euros que um SMN que não dava para viver na altura, e que hoje ainda menos dá.
A classe dominante sempre admitiu patrocinar camadas sociais que configurassem uma zona tampão entre os que têm tudo e os que nada possuem. Extractos que se situassem social (e ideologicamente) «a meio». Se não existem, inventam-se, como faz a OCDE.
Do ponto de vista ideológico não deixou de ter sucesso, e isso permanece um problema. Mas do ponto de vista económico e social a coisa vai perdendo sustentação. E o facto resulta da própria natureza do capitalismo. Do processo inexorável de centralização da riqueza em cada vez menos mãos, de um fosso social crescente, de um muito generalizado empobrecimento. No nosso país o salário médio é cada vez mais próximo do salário mínimo e, a manter-se a taxa de evolução actual, até ao final da década coincidirá com este.
A realidade objectiva repercute-se inevitavelmente no plano subjectivo. No estudo mencionado Portugal é, de longe, o País em que menor percentagem da população considera pertencer à «classe média». Com toda a razão, não se sente «a meio». E quanto mais cresça a luta do povo, melhor entenderá o lugar certo nessa luta.