Extorsão

Vasco Cardoso (Membro da Comissão Política)

Os bancos ganham com as dificuldades impostas à maioria

À data deste texto conhecem-se já os resultados obtidos em Portugal pelo BPI e Santander Totta, referentes a 2022. Os lucros alcançados impressionam pelo valor absoluto, mas também pela diferença face ao ano anterior: 365 milhões de euros de lucros e uma subida de 19% no primeiro caso e 568,5 milhões com um crescimento de 90% no segundo. Nas próximas semanas seguir-se-ão os restantes bancos e tudo leva a crer, pelo que se foi conhecendo ao longo do ano, que no global estaremos perante valores históricos.

Poder-se-á dizer que os resultados alcançados pela banca estão em linha com o que tem vindo a ser divulgado noutros sectores. Seguros, energia, telecomunicações, grande distribuição, concessionárias das auto-estradas e outros que actuam em situação de monopólio estão também a divulgar as suas contas. E o filme não é muito diferente: lucros astronómicos num tempo de forte recuo no valor real dos salários e de empobrecimento acelerado de grande parte da população.

No caso da banca, estes valores têm um significado acrescido: registam-se num momento em que para mais de um milhão de famílias se está a assistir a uma escalada no valor das prestações pagas ao banco em função dos empréstimos à habitação que foram contraídos. A subida das taxas de juro de referência por parte do BCE imposta em nome do combate à inflacção – medida que foi ao encontro de uma «velha» exigência do capital financeiro – está a ser literalmente transferida e agravada para aqueles que foram obrigados a endividar-se, na maioria dos casos como forma de terem direito a uma casa.

Aumentos de 100, 200, 300, 400 euros ou mais, estão a ser comunicados diariamente a cada um dos clientes, virando em muitos casos a vida do avesso, tal o impacto disruptivo que estes súbitos aumentos estão a provocar. E longe de ter terminado por aqui, o mês de Março será novamente marcado – tal como já foi anunciado pelo BCE – por uma nova subida das taxas de referência de 3% para 3,5% e tudo leva a crer que não só esse movimento ascendente continuará, como essa mesma taxa permanecerá durante longos meses nestes patamares.

 

A carne e os ossos

Curiosamente, os mesmos bancos que impuseram ao longo dos últimos anos um contínuo agravamento das comissões bancárias com o pretexto de «compensar» o facto das taxas de juro de referência estarem em valores muito baixos, agora que estas subiram não só estão a manter essas mesmas comissões como se estão a recusar em aumentar as taxas de remuneração dos depósitos a prazo (a média das taxas de remuneração de depósitos em Portugal é de 0,35%, quatro vezes menos do que na zona euro). Ou seja, os bancos estão a ganhar de uma forma escandalosa com as comissões, com os créditos e com o que não remuneram nos depósitos.

Na prática, esta é uma das formas de apropriação pelo capital da riqueza produzida. Nada que escandalize os principais órgãos de comunicação social cujo foco se mantém fiel a uma agenda reaccionária – contra o Estado, o público, os impostos, os políticos, etc. – e mais interessada em promover os «casos» e «escândalos» reais ou fabricados do que permitir a compreensão do processo de exploração e empobrecimento que está em curso.

A guerra na Ucrânia vai servindo de desculpa para tudo, mesmo que nunca consigam explicar porque é que uns comem a carne (sim, há quem esteja a ganhar e muito com a guerra) e outros, a larga maioria, não lhes reste outra alternativa que não a de roer os ossos.

 

Interesses, gavetas e luta

Perante esta realidade, o Governo PS não desalinha das teses dominantes nem questiona os poderes instituídos, antes se lhes submete. O funcionamento dos ditos mercados, ou seja, a ditadura dos interesses do grande capital – como no mercado do crédito – é lei. A dita independência dos bancos centrais – forma de colocar este sector estratégico à margem de qualquer escrutínio democrático – não é questionada. E o «socialismo», de que é acusado por parte do PSD, do CDS, do Chega e da IL, sendo ridículo, é sobretudo uma forma de branquear a política de direita ao mesmo tempo que se lança o anátema sobre algo que o próprio PS nunca tirou da gaveta.

Os lucros da banca de 2022, a forma em como estão a ser alcançados – não esquecer o encerramento de balcões, os milhares de despedimentos, a exploração de milhares de trabalhadores deste sector – e como são projectados na praça pública, são um espelho do momento actual. Um momento de crescentes e gritantes contrastes e desigualdades, de forte manipulação e condicionamento ideológico mas também de uma maior polarização, entre uns poucos que se julgam senhores do mundo e uma imensa maioria que aspira a uma vida melhor e que, em larga medida, pelas muitas lutas a que temos assistido, vai estando cada vez mais disponível a lutar por ela.

 



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