Habitação no Censo: cara, degradada e insalubre

Filipe Diniz

O problema da habitação no nosso país contém os traços de uma situação social intolerável. Está muito longe de se resumir à questão do direito a ter um lugar onde habitar. Dados recentes, nomeadamente os oriundos do Censo 2021, ilustram-no.

A dinâmica de financeirização do acesso à habitação conduziu a uma situação em que 70% dos moradores habita em «casa própria» (pela qual paga prestação num valor médio de 360,51 euros mensais, ou seja praticamente metade do SMN). E que qualidade tem a habitação de que são «proprietários»? Situa-se em edifícios dos quais 35,8% necessitam de reparação, perto de meio milhão dos quais necessitando de reparação média ou profunda. 25% dos edifícios têm problemas de infiltrações, humidade, apodrecimento. São insalubres. E deixa-se aqui de lado os contextos urbanos em que se inserem.

Uma publicação Eurostat recente (Energy Poverty, National Indicators) coloca Portugal no 2.º lugar dos países com maior excesso de mortalidade no Inverno (superior a 17,7%), excesso que é comprovadamente mais elevado «em países com os mais significativos problemas estruturais de pobreza energética, em regra resultante de fraca qualidade na construção». O nosso país encontra-se no último lugar no que diz respeito à capacidade de manter as habitações «confortavelmente quentes»no Inverno, mas também está num dos últimos lugares no que diz respeito a manter as habitações «confortavelmente frescas»no Verão. São regra as excessivas perdas e ganhos de energia, e estas resultam de problemas estruturais de raiz.

A política democrática de habitação que urge exige uma profunda revisão do significado de «renovação urbana», hoje inquinado pela associação a processos de gentrificação dinamizados pela especulação imobiliária. Renovação urbana é habitação decente, espaçosa, salubre, confortável para todos. Que hoje, para uma grande maioria, não existe.




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