Onde é que eu já ouvi isto?

João Frazão

É bem conhecida a afirmação atribuída a Maria Antonieta, em plena crise económica e social provocada pela política antipopular de Luís XVI, proferida quando o povo francês clamava por pão, e a senhora, impressionada com a ferocidade dos protestos, de forma candente e seguramente toldada pela fartura que nunca lhe faltou, proclamou «se povo não tem pão, que coma brioches».

Mas há outras frases que ficaram tristemente célebres e que, coincidentemente ou não, vão sempre no mesmo sentido, o de justificar o empobrecimento.

Fernando Ulrich, à altura CEO do BCP, perante a mais brutal vaga de ataque aos salários, aos direitos e aos interesses dos trabalhadores e do povo, questionado sobre se o povo aguentaria mais medidas chamadas de austeridade, mas que eram de facto de roubo e esbulho, instalado nos milhares de milhões de euros, que foram entregues à banca pelo erário público, para a salvar dos seus desmandos, respondia «ai, aguenta, aguenta!».

Por seu lado, Luís Montenegro, então líder parlamentar do PSD, e perante a evidência das dificuldades da população, dizia que «a vida das pessoas não está melhor, mas a do País está muito melhor».

Já Isabel Jonet, teorizando sobre a pobreza em Portugal, determinou, em determinada altura que «os portugueses não podiam comer bifes todos os dias».

Hoje, de novo, alguns dos principais responsáveis e beneficiários da degradação económica e social evidente no País, do brutal aumento do custo de vida, da contenção salarial aplicada com mão de ferro, das desigualdades e as injustiças cada vez mais gritantes, enfim, do agravamento da exploração, decidem justificá-la ressuscitando essas afirmações com outras roupagens.

O presidente do Santander, à sombra dos maiores lucros de sempre, critica os portugueses «que jantam fora à sexta»; o Ministro da Economia, para justificar que o crescimento da economia portuguesa não se reflecte na melhoria das condições de vida dos cidadãos nacionais, fala de uma «dessintonia entre as contas nacionais e a vida das pessoas»; e o Ministro das Finanças, borrifando-se no acentuar das dificuldades para a generalidade dos portugueses, diz «não serem necessários novos aumentos de salários».

É caso para dizer, onde é que eu já ouvi isto?




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