Um altar-palco por dia

Margarida Botelho

O PCP vem denunciando há anos os milhões de dinheiro público que têm sido entregues de mão beijada a grupos privados. Na passada sexta-feira, durante um jantar em Coimbra, o Secretário-geral do PCP elencou novamente exemplos chocantes: 1250 milhões de euros em 2021 para as PPP rodoviárias; 16 mil milhões para a banca privada desde 2008. A denúncia recente dos 140 milhões de euros entregues às concessionárias das autoestradas como compensação de não aumentarem tanto as portagens como queriam teve até direito a confirmação do Polígrafo.

Um escândalo tão maior quanto, em contraste com os lucros dos grupos económicos, as desigualdades crescem e as dificuldades dos trabalhadores e do povo se agravam. Quanto mais evidente se torna que estes milhões faltam no Serviço Nacional de Saúde, na educação, na segurança social, no investimento público.

Na mesma sexta-feira, quase à hora em que o secretário-geral do PCP expunha estes factos e contradições, a SIC Notícias dedicou o seu Expresso da Meia Noite ao tema «o altar-palco e as polémicas em seu redor». Nas últimas semanas, temos assistido à justa indignação generalizada com o preço do palco previsto para as Jornadas Mundiais da Juventude, bem como com as indemnizações e prémios entregues a gestores da TAP. O tema tem interesse, mas causa perplexidade que pessoas tão esclarecidas se indignem de forma tão selectiva. É que, para cúmulo da coincidência, os lucros da banca anunciados horas antes resultam em qualquer coisa como quatro milhões de euros por dia – dava para construir um altar-palco a cada 24 horas. Também era um tema giro para os senhores do Expresso da Meia Noite e aparentados.

Mas a verdade é que a alguns interessa que toda a indignação se dirija para a árvore, calando a enorme floresta da transferência de milhões de dinheiro público para grupos privados. O que também implica tentar silenciar o PCP, que não desiste de os denunciar – mas isso dava outro texto.




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