Crescei e multiplicai-vos!

João Frazão

«É indispensável pôr a economia a crescer para haver dinheiro para distribuir e, assim, poder aumentar os salários.»
A afirmação recorrente de certos economistas, e logo apropriada com todo o sentido de Estado pelos políticos ao serviço do sistema, beneficia no seu percurso da boa fé de quem se confronta com as muitas dificuldades para distribuir o seu parco salário pelas despesas que crescem a cada dia que passa.

Pensa o incauto mas laborioso cidadão, e não sem razão, que se a sua riqueza (permitam-me dar um nome tão pomposo a salários tão magros e enfezados) não cresce, não pode dar mais às roupas do rapaz que, raios o partam, não pára de crescer e, por isso vai ter que continuar a levar as calças curtas para a escola, ou ao trabalhador da caixa do supermercado que, vá-se lá saber porquê, cada vez diz um valor mais alto para as compras da semana, que, ainda por cima, incluem cada vez menos produtos.
Sucede que, ao longo dos últimos, essa ladaínha, que vem sempre acompanhada de sinceras preocupações com o interesse nacional, foi usada sempre no mesmo sentido, ou seja, esse argumento foi esgrimido para pedir paciência aos trabalhadores até que o crescimento se desse e, quando esse crescimento se deu foi metido ao bolso pelos mesmos de sempre.
Foi assim que, apesar da economia ter crescido invariavelmente desde 2014, os aumentos dos salários ficaram sempre aquém desse crescimento, perdendo poder de compra, assim se explicando a deterioração do peso dos salários no rendimento nacional.

Sucede que, ao contrário do que a natureza exploradora do capitalismo manda dizer, a distribuição da riqueza, por via do aumento dos salários, não só não põe em causa a riqueza de quem distribui como dá um bom contributo para o crescimento da economia, pelo aumento do consumo, porque a satisfação das necessidades essenciais assim o obriga.

Acresce dizer que só a desumanidade do capitalismo explica que, perante o brutal aumento de preços e as imensas dificuldades por que passam, crescentemente, milhares de trabalhadores, aquela e outras teorias continuem a dominar o discurso público e a ter respaldo no plano mediático.

E que tal facto apenas reclama uma determinada resposta dos trabalhadores. Em luta, pois claro.




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