Efacec: como o processo de privatização está a destruir a empresa

Jaime Toga (Membro da Comissão Política)

O Grupo Efacec é um dos mais im­por­tantes no âm­bito da in­dús­tria trans­for­ma­dora na­ci­onal, en­vol­vendo cerca de 2500 tra­ba­lha­dores e do qual de­pendem de­zenas de micro, pe­quenas e mé­dias em­presas.

Para lá de um im­por­tante grupo in­dus­trial com pre­sença ao longo de dé­cadas em Por­tugal, tem uma ca­pa­ci­dade for­te­mente ex­por­ta­dora e de­sen­volveu tec­no­lo­gias pró­prias, per­mi­tindo-lhe reunir os meios de pro­dução, tec­no­lo­gias e com­pe­tên­cias téc­nicas para o de­sen­vol­vi­mento das suas ac­ti­vi­dades, que abarcam os do­mí­nios das so­lu­ções de Energia, En­ge­nharia, Am­bi­ente, Trans­portes, Au­to­mação e Mo­bi­li­dade Elé­trica, com uma rede de fi­liais e agentes em cerca de 100 países.

As op­ções po­lí­ticas na­ci­o­nais e as im­po­si­ções ex­ternas sub­mis­sa­mente aca­tadas têm des­va­lo­ri­zado a pro­dução in­dus­trial e com­pro­me­tido os in­te­resses na­ci­o­nais. Apesar disso, a Efacec per­ma­nece como a úl­tima grande em­presa me­ta­lo­me­câ­nica e elec­tro­me­câ­nica do País, as­su­mindo um papel es­tra­té­gico na subs­ti­tuição de im­por­ta­ções por pro­dução pró­pria, no de­sen­vol­vi­mento e in­ves­ti­gação ci­en­tí­fica e tec­no­ló­gica.

Às di­fi­cul­dades es­tru­tu­rais da Efacec – que, face à ac­tu­ação dos pri­vados, foi por di­versas vezes ob­jecto de in­ter­venção do Es­tado – de­cor­rentes de uma po­lí­tica na­ci­onal, so­maram-se pro­blemas re­la­ci­o­nados com a sua es­tru­tura ac­ci­o­nista mais re­cente (cuja mai­oria per­tence a em­presas de­tidas por Isabel dos Santos) e as mo­vi­men­ta­ções da banca para sal­va­guardar os seus in­te­resses. Uma si­tu­ação agra­vada pela pan­demia e que aca­baria por levar à de­cisão do go­verno, em me­ados de 2020, de na­ci­o­na­lizar 71% das ac­ções (parte de­tida por Isabel dos Santos), anun­ci­ando logo que se tra­taria de uma na­ci­o­na­li­zação tem­po­rária. Ou seja, re­sol­veria os pro­blemas de te­sou­raria com re­cursos pú­blicos, res­pon­dendo às pres­sões e exi­gên­cias dos cre­dores, so­bre­tudo da banca, para mais adi­ante voltar a en­tregar a em­presa ao grande ca­pital.

Há se­manas, o Go­verno tornou pú­blico o fa­lhanço do ca­minho que es­tava a de­sen­volver com um pri­vado para ficar com a Efacec, logo re­a­fir­mando que o ob­jec­tivo de re­pri­va­tizar a em­presa se mantém, como se ig­no­rasse que, nas con­di­ções da ac­tu­a­li­dade, en­tregar a Efacec ao ca­pital pri­vado é ab­dicar de a co­locar ao ser­viço da pro­dução na­ci­onal, para lá de conter o pe­rigo de trans­formar uma em­presa es­tra­té­gica na­ci­onal numa qual­quer sub­si­diária de uma mul­ti­na­ci­onal. Na ver­dade, a em­presa ainda só não foi pri­va­ti­zada porque o Go­verno ainda não deu tudo quanto o grande ca­pital de­seja. É justo temer que tal ainda venha a acon­tecer.

Es­tado ao ser­viço de quem?

Os tra­ba­lha­dores e o seu sin­di­cato de classe, o SITE-Norte, de­nun­ciam per­se­gui­ções a tra­ba­lha­dores que fi­zeram greve e con­testam o facto de o Go­verno ter as­su­mido a mai­oria ac­ci­o­nista, mas ter per­mi­tido que se man­ti­vessem os ad­mi­nis­tra­dores.

Desde a «na­ci­o­na­li­zação», a pro­dução foi pa­rando por falta de ma­téria-prima, não sendo ex­ces­sivo dizer-se que em muitos pe­ríodos do mês há cerca de 2000 tra­ba­lha­dores da pro­dução pa­rados. Perdeu-se cli­entes, muitos dos ac­tuais con­tratos de for­ne­ci­mento e ma­nu­tenção estão em risco por falta de ma­téria-prima, qua­dros al­ta­mente qua­li­fi­cados têm saído da em­presa, a quebra de re­ceitas é na ordem das de­zenas de mi­lhões de euros face ao ano an­te­rior e as dí­vidas as­cen­derão já a 100 mi­lhões de euros. O Go­verno, cúm­plice, pa­rece «as­so­biar para o lado». Mas a vida está a de­mons­trar que o pro­cesso pri­va­ti­zação da Efacec – que junta o Go­verno PS ao PSD, CDS, Chega e IL – está a des­truir a em­presa.

A si­tu­ação da Efacec con­fronta-nos com uma re­a­li­dade que evi­dencia o de­sa­juste da po­lí­tica de di­reita com as ne­ces­si­dades do de­sen­vol­vi­mento so­be­rano de Por­tugal, em que a pro­dução na­ci­onal é pilar es­sen­cial e o con­trolo pú­blico de em­presas e sec­tores es­tra­té­gicos ala­vanca in­dis­pen­sável. Não deixa de ser cu­rioso ouvir o Go­verno falar de rein­dus­tri­a­li­zação do País quando a sua prin­cipal pre­o­cu­pação é des­pa­char a Efacec o mais ra­pi­da­mente pos­sível.

Con­tra­ri­a­mente àqueles que de­fendem que os re­cursos do Es­tado servem para tapar os bu­racos das op­ções do ca­pital, o PCP de­fende do Es­tado um papel de­fi­nidor e ori­en­tador das li­nhas mes­tras de uma ver­da­deira po­lí­tica de de­sen­vol­vi­mento in­dus­trial, ar­ti­cu­lando um forte sector pú­blico com o sector pri­vado, no quadro de uma es­tra­tégia de res­posta às ne­ces­si­dades do País e do seu de­sen­vol­vi­mento so­be­rano.

Neste caso, a de­fesa do in­te­resse na­ci­onal passa pela ma­nu­tenção da Efacec na es­fera pú­blica, ga­ran­tindo os meios para a dotar das ma­té­rias-primas ne­ces­sá­rias para pros­se­guir com a pro­dução, co­lo­cando o po­ten­cial eco­nó­mico, tec­no­ló­gico e pro­du­tivo ao ser­viço do de­sen­vol­vi­mento do apa­relho pro­du­tivo na­ci­onal.



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