A próxima guerra?
A China é o alvo principal dos EUA
Enquanto tardam as decisões para acabar a guerra na Ucrânia, mantendo-se o manto nebuloso sobre quando e como se chegará ao seu desfecho, nos EUA já se pensa na guerra seguinte. Em declarações recentes, o responsável do Comando Estratégico dos EUA, almirante Charles Richard, avisou as hostes de que o actual conflito na Europa não é o pior para o qual Washington deve estar preparado. Passando por cima das causas que tornaram esta guerra possível, o chefe do Comando do Pentágono com a responsabilidade, entre outras incumbências, pela «dissuasão nuclear estratégica» e o «ataque global» afirmou: «Esta crise na Ucrânia em que estamos agora é apenas o aquecimento. A grande [crise] está a chegar. E não vai demorar muito para que sejamos testados de maneiras que não fomos testados há muito tempo». Para que não restassem dúvidas acrescentou: «Concorrentes como a China estão a superar os EUA, e de forma dramática. Os EUA devem incrementar o seu jogo de dissuasão ou serão derrubados. Na minha avaliação do nosso nível de dissuasão face à China, o navio está a afundar-se lentamente (…) uma vez que eles estão fundamentalmente a por em campo capacidade mais rapidamente que nós». A ladainha serve para advogar mais esforços de armamento, buscando inspiração nos programas dos anos 50 dos EUA (visando então a URSS). «Caso contrário, a China vai simplesmente superar-nos, e a Rússia [apesar da guerra na Ucrânia] não vai desaparecer tão cedo», conclui (3.11.2022, https://www.defense.gov/News/News-Stories/Article/Article/3209416/stratcom-commander-says-us-should-look-to-1950s-to-regain-competitive-edge/).
As declarações do almirante estão em sintonia com a doutrina de segurança nacional da Administração Biden, divulgada no mês passado, que elege a China na qualidade de principal desafio geopolítico dos EUA, considerando a actual segunda economia mundial o único país com capacidade para alterar a ordem mundial vigente. Isto é, a iníqua ordem económica mundial capitalista, cuja cúspide ostenta o poder hegemónico decadente do imperialismo norte-americano, auto-atribuindo-se, em anacronismo crescente, o papel de poder excepcional e árbitro mundial, definidor das regras do jogo e punidor dos infractores. E em sintonia com a Revisão da Postura Nuclear (2022) e a estratégia que aposta na modernização e utilização das armas nucleares em teatros de guerra, seja na Europa ou na Ásia-Pacífico, nas fronteiras marítimas da China.
A par das guerras comercial, tecnológica e económica contra a China, os EUA elevaram as tensões em torno de Taiwan a um nível muito perigoso. Contudo, relatórios qualificados têm advertido os decisores em Washington para a alta probabilidade de os EUA não poderem hoje derrotar a China num conflito em torno de Taiwan. E o imperialismo está consciente de que uma découplage em toda a linha com a China teria consequências devastadoras no plano económico, incluindo para os EUA.
É à luz destes dilemas que a diplomacia de Pequim marcou pontos nas cimeiras do G20 e APEC. A causa da paz agradece. Biden diz querer uma relação de competição sem conflito. A prática mostra que as palavras dos EUA não valem nada. Mas conta, e muito, na fase actual, a capacidade para travar as ameaças mais graves do sistema decadente e impor-lhe recuos...