Romper com interesses instalados é essencial para uma justa transição energética

O PCP promoveu no passado dia 17, em Lisboa, uma mesa-redonda sobre «Energia e recursos na transição energética. Soberania, segurança e desenvolvimento». Para além de Jerónimo de Sousa, que encerrou os trabalhos e reafirmou posicionamentos e propostas do Partido, duas dezenas de outros oradores contribuíram para o aprofundamento da análise e da estratégia do PCP relativamente à política energética.

Soberania, segurança, ambiente, desenvolvimento

Na iniciativa dirigida por Vasco Cardoso, da Comissão Política, e aberta por Demétrio Alves, intervieram, ao longo do dia, dirigentes e eleitos do PCP, dirigentes sindicais e associativos e especialistas que intervêm sobre as várias faces da área energética.

Em destaque estiveram diversas temáticas, como o aproveitamento soberano dos recursos nacionais e a situação internacional, as políticas de exploração mineral, a água como um recurso estratégico para o abastecimento humano, a relação da agricultura e da energia, os transportes e a mobilidade, a importância da energia para a soberania nacional e alimentar e ainda o papel da União Europeia nas políticas de energia.

«Pretendemos com esta nossa iniciativa ter uma visão global para responder, com opções alternativas e justificadas, às principais orientações dominantes contidas na política de direita em matéria de energia, deste e anteriores governos e também da União Europeia», explicou o Secretário-geral comunista.

Como afirmou Jerónimo de Sousa, ali discutia-se a necessidade e os eixos centrais de um Plano Nacional de Energia que tenha como suporte a acessibilidade energética com preços compatíveis ao poder de compra dos portugueses. Falou-se ainda de uma Estratégia Nacional de Garantia da Segurança Hídrica que, uma vez implementada, consiga assegurar uma componente significativa da energia de fontes renováveis, a ampliação das reservas hídricas nacionais, a preservação dos principais aquíferos e o aumento do reaproveitamento da água.

Sobre a transição energética, outra questão em destaque na sessão, o dirigente comunista afirmou que, para o PCP, não há dúvidas acerca da necessidade de a realizar. No entanto, «de gradualismo nas mudanças e rupturas a fazer», este conceito tem de «significar uma gestão de bom senso económico e político no uso das fontes e tecnologias energética disponíveis e adequadas ao País».

 

Intervenção do PCP no plano institucional

Confirmando o que Jerónimo de Sousa, posteriormente, salientaria, os deputados comunistas Sandra Pereira (no Parlamento Europeu) e Bruno Dias (na Assembleia da República) destacaram a intensa acção institucional do PCP relativa às temáticas em análise.

«As opções tomadas pela UE, liberalizando, privatizando e desregulando o sector, favorecem a manutenção de mercados oligopolistas nos quais os preços são cartelizados e onde as metodologias adotpadas garantem lucros astronómicos, com enormes diferenciais entre custos na produção e nos mercados, afirmou Sandra Pereira.

«Em cada momento, os deputados dos PCP no Parlamento Europeu reafirmaram firmemente a defesa da soberania energética, da segurança do abastecimento, preços acessíveis e ajustados à evolução das economias e um serviço público de qualidade, o que implica o reforço do papel do Estado e o respeito dos direitos dos trabalhadores e consumidores», garantiu.

Bruno Dias recuou até à legislatura de 2011 a 2015, do Governo de PSD/CDS-PP, para demonstrar a basta e decisiva intervenção do PCP sobre esta área. Em relação ao Orçamento do Estado para 2022, mencionou que os comunistas voltaram a colocar as questões da energia no debate parlamentar: desde o combate ao agravamento dos preços dos combustíveis, electricidade e do gás, com diversas propostas que prevêem a regulação dos preços e o impedimento da acumulação de lucros por conta da especulação, até propostas que visam o reforço das tarifas reguladas de electricidade e gás, mecanismo fundamental para travar a especulação e conter os preços.

 

Plano Energético Nacional

Na sua intervenção, Jerónimo de Sousa apresentou os seis eixos fundamentais do Plano Energético Nacional, inserido na Política Patriótica e de Esquerda que o PCP propõe e reclama para o País:

– O reassumir pelo Estado do seu papel de autoridade e de controlo público das principais empresas, no aprovisionamento, produção, transporte e comercialização das diferentes formas de energia, e a reorganização das fileiras energéticas, recompondo a cadeia de valor das suas empresas;

– A utilização racional da energia e acréscimos de eficiência energética nos transportes, nos edifícios (com prioridade para os públicos) e na indústria (redução da intensidade energética) e a diversificação das fontes de energia;

– A prospecção e cartografia dos recursos, em energias renováveis (hidroeléctrica, eólica, solar térmica, fotovoltaica, biomassa, incluindo efluentes e resíduos orgânicos, geotérmica e as ligadas ao mar) e não renováveis, bem como recursos minerais escassos, crescentemente incorporados em novas tecnologias energéticas;

– O reforço da base científica e técnica, considerando sobretudo as novas aquisições no domínio da armazenagem de excedentes conjunturais de electricidade, associados à produção renovável e a valorização e utilização integrada das potencialidades nacionais;

– A revisão completa dos incentivos, subsídios e outros apoios às empresas produtoras de electricidade, seja no domínio da produção convencional, seja das energias renováveis, para pôr fim a qualquer tipo de «rendas excessivas» e/ou receitas indevidas; estancar o défice tarifário, cujo actual saldo deve ser, de acordo com adequada programação, absorvido pelas empresas que o geraram;

– Um regime de preços máximos nos combustíveis líquidos e gasosos e electricidade, e o reforço dos regimes de energia bonificada para algumas actividades (agricultura, pescas e subsectores dos transportes). A reposição da taxa do IVA nos 6% na electricidade, no gás natural e no GPL.

 

Testemunhos

Demétrio Alves: «O PCP tem vindo a pugnar, desde há muitas décadas, pelo direito do País de decidir e concretizar, de acordo com os interesses nacionais, a prospecção, exploração, transformação e utilização dos recursos portugueses, renováveis e não renováveis. Esses recursos incluem os que podem constituir-se em reservas energéticas como a hídrica, eólica, fotovoltaica, biomassa e geotérmica, e, ainda, o aproveitamento dos diversos tipos de resíduos e subprodutos utilizáveis, tanto energeticamente como através de reciclagem.
A conservação, utilização racional da energia (URE) e o carácter de interesse público da água, têm um papel central em tal visão política. A URE implica o melhoramento da eficiência dos diversos sistemas e equipamentos, bem como dos processos de conservação e de combate ao desperdício, que deveriam, parece, assumir-se como política pública e não de mero estímulo ao negócio privado facultativo.»

Rui Namorado Rosa: «A evolução no mundo real, se atendermos ao aprovisionamento energético, conduziu à multiplicação dos consumos de combustíveis fósseis, com protagonismo tomado pelo carvão, depois pelo petróleo e gás natural, cuja origem e ocorrência são afins. (…) A Agência Internacional de Energia e a União Europeia estão cientes das dificuldades que se colocam na transição energética que procuram promover como fatalidade ditada por Alterações Climáticas.»

Fernando Sequeira: «Na esfera produtiva, exceptuando o projecto e a construção de barragens, e ainda os produtos de elevada qualidade internacional de algumas áreas da EFACEC, é enorme a actual dependência nacional em termos de projecto e construção de bens de equipamentos críticos para as diversas tecnologias energéticas, base material da produção de electricidade.»

Miguel Tiago: «Portugal é, apesar de um território com pequena área, um país rico e diversificado do ponto de vista dos recursos geológicos. (…) Os contratos que estão neste momento a ser preparados para a entrega de vastas áreas do território nacional para a exploração de lítio, por exemplo, também não implicam o tratamento do minério em Portugal, pelo que podemos uma vez mais estar perante uma situação de verdadeira predação dos recursos para entrega de uma boa parte do valor potencial a terceiros, sem que as populações e o país retirem as mais-valias possíveis e necessárias.»

Vladimiro Vale: «Os graves problemas ambientais que enfrentamos não se resolvem exclusivamente com recurso à tecnologia, a mecanismos financeiros e especulativos, à taxação dos comportamentos individuais, a mercados e consumo verdes. Alguns destes instrumentos já demonstraram mesmo ser contraproducentes – nos planos ambiental, social e económico. Os problemas ambientais colocam a urgência de uma mudança de políticas, que não se esgota na dimensão ambiental, sendo indissociável de uma mudança que se estenda às esferas social, económica e inclua o reconhecimento do direito dos povos ao desenvolvimento.»

Francisco Asseiceiro: «O sucesso da entrada em vigor do programa de apoio à redução tarifária em 21 de Março de 2019 e a decorrente transferência do transporte individual para o transporte colectivo, que aumentou o número de utentes em mais de 30 por cento nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, e que importa alargar e consolidar nas restantes regiões do país, revelam-se também medidas com impacto na redução de consumo energético. O alargamento do Passe Social Intermodal a todos os operadores, a todas as carreiras e a todo o território da área metropolitana de Lisboa permitiu recuperar e multiplicar os utentes regulares, retirando milhares de veículos individuais das estradas contribuindo para uma redução significativa de emissões de CO2.»

Zulmira Ramos: «A substituição dos combustíveis fósseis tem de ser feita de forma progressiva e planeada, daí a necessidade de haver um planeamento energético que acautele os aproveitamentos do grande capital para fins que não são coincidentes com os dos povos, para que o mundo possa continuar a desenvolver-se sem sobressaltos, principalmente os que apresentam níveis de desenvolvimento mais débeis.»

Luísa Tovar: «A geração hidroeléctrica tem enorme importância económica e um papel chave na produção eléctrica, sobretudo em associação com outras formas de geração, pela faculdade de armazenar energia e disponibilizá-la quando requerida na rede eléctrica. (…) O principal obstáculo à conciliação da exploração hidroeléctrica com os outros usos e funções da água é a primazia absoluta e privilégio que o Estado dá à maximização da renda das grandes empresas hidroeléctricas, em simultâneo com o desleixo criminoso a que são votados todos os outros usos e funções sociais, económicas e ecológicas da água e a protecção dos recursos hídricos.»

José Pós-de-Mina: «O papel das autarquias locais enquanto consumidores de energia a nível da electricidade e dos combustíveis não é despiciendo, representando um dos seus significativos encargos, pelo que devem equacionar a questão da contratação dos serviços de fornecimento de energia, de outras alternativas como seja a produção própria ou a aposta na eficiência energética, como medidas indispensáveis para a redução dos seus gastos, com efeitos também benéficos a nível ambiental. Nesta linha também importam medidas internas de sensibilização para a adopção de práticas de utilização racional da energia.»

Rogério Silva: «A designada transição energética, iniciada em Portugal pelo Governo PS, tem na sua génese, não uma verdadeira preocupação com as questões climáticas e ambientais, mas antes, uma agenda política, profundamente neoliberal que procura a qualquer custo colocar Portugal no pelotão da frente na redução de emissões de gases com efeito estufa. (…) O saldo importador de electricidade é bastante elevado, não se produz em Portugal o suficiente e, assim, importa-se de Espanha (e França) energia gerada em centrais a carvão que emitem o dióxido de carbono que o Governo diz querer combater.»

Francisco Branco (intervenção lida por José Lourenço): «Continuam a proliferar as centrais fotovoltaicas, com muitos milhares de megawatt, sem que estejam planeados os sistemas de armazenamento que lhes permitiriam assegurar a utilização da energia produzida. Os sistemas de armazenamento que estão na carteira de intenções de construção, obedecendo aos interesses privados dos seus promotores, estão desadequados face à localização dos centros electroprodutores. (…) Só o planeamento integrado do sector energético, exercido pelo Estado, possibilitaria o desenvolvimento equilibrado e eficiente das redes eléctricas.»

Hélder Guerreiro: A Administração [da Galp] apressou o esvaziamento da empresa, assente no aproveitamento da pandemia para empurrar borda-fora um terço dos trabalhadores por reformas antecipadas e por rescisões de mútuo acordo conseguidas com um clima de intimidação e chantagem sobre os trabalhadores que se encontravam isolados em teletrabalho, tendo a Administração nesse mesmo ano realizado dois despedimentos colectivos em que os trabalhadores visados não aceitaram rescindir o respectivo contrato pela sua mão. (…) A descontinuação daquela refinaria [de Matosinhos] representou a destruição de cinco mil postos de trabalho e 1 por cento do PIB da Área Metropolitana do Porto e mostra bem a dimensão devastadora da decisão tomada em articulação com o Governo do PS.»

Joaquim Manuel: «Aproveito para vos falar de outras ideias sobre soberania alimentar que vimos falando entre agricultores e até entre consumidores. Esbarramos sempre na estrutura fundiária do país, que quer queiram quer não, urge alterar, de modo a assegurar que a terra seja entregue a quem a explore de acordo com a estratégia produtiva nacional. No sentido claro do auto-abastecimento do país em termos energéticos, alimentares e florestais e não ao sabor de lucros mais ou menos fáceis que acabam a determinar a nossa cada vez maior dependência externa.»

Rui Salgado: «Em vez de as desvalorizar, devemos utilizar a questão das alterações climáticas como mais um argumento para exigir o retorno ao controlo público de empresas estratégicas; a existência de uma indústria mineira pública; o aumento da soberania energética e alimentar; e um planeamento do território e económico ao serviço das pessoas. As alterações climáticas são uma consequência do Homem, mas não igualmente de todos os Homens, são uma consequência do sistema capitalista.»

 



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