Defender e cumprir a Constituição é lutar pelo presente e pelo futuro
«Portugal precisa de concretizar com urgência uma política que retome, na sua plenitude, o projecto de sociedade e de organização da nossa vida colectiva que a Constituição consagra», salientou Jerónimo de Sousa na sessão dedicada a assinalar os 46 anos da sua aprovação.
Defender e cumprir a Constituição é lutar pelo presente e pelo futuro
A iniciativa decorreu ao início da tarde de sexta-feira, 22, no auditório do Lisboa Ginásio Clube, que se encheu de jovens para celebrar a aprovação e promulgação da Constituição da República Portuguesa, a 2 de Abril de 1976. O facto de mais de meia centena de jovens ali estarem a assinalar a entrada em vigor de um texto que é «emanação do processo libertador da Revolução de Abril e da luta do nosso povo», bem como o «acto fundador da institucionalização da democracia portuguesa», como referiu o Secretário-geral do PCP, é por si só prova de que se trata de uma das «mais avançadas e progressistas constituições que o século XX havia de conhecer».
Confirma, ainda, que a Constituição «tem provado ser, nestes anos da sua vigência, um suporte fundamental e indispensável na regulação da nossa vida democrática, mas igualmente um sustentáculo que reforça a legitimidade dos anseios e aspirações dos trabalhadores e do povo a uma vida melhor, num Portugal mais fraterno e solidário, mais livre e mais democrático e da luta para os conquistar», como disse Jerónimo de Sousa.
Aliás, a afirmação de que a Constituição é um instrumento essencial do qual não abdicam todos os que pretendem construir um presente e um futuro melhores, particularmente as jovens gerações, foi também e desde logo realçado no lema e participantes destacados na iniciativa, promovida pela Juventude Comunista Portuguesa (JCP).
«A minha Constituição» - assim se chamou a sessão apresentada pela jovem Mafalda Borges, que depois de um curto vídeo com excertos do filme «As Armas e o Povo» e imagens da aprovação da Constituição, prosseguiu, significativamente, com dezenas de jovens de várias regiões a citarem artigos do texto fundamental e a explicarem a importância que aquela tem na sua vida e intervenção política, social e cultural.
Jovens (Joana Costa, Matilde Lima e Rafael Verde) foram também os protagonistas do momento cultural da sessão, que com poemas declamados ao som da «Grândola, Vila Morena», antecederam as intervenções de Afonso Beirão, da Comissão Política e da Direcção nacional da JCP (ver caixa), e Jerónimo de Sousa.
Projecto
A encerrar a iniciativa, o Secretário-geral do Partido começou por realçar que a Constituição «sendo inseparável do processo revolucionário que se iniciou em 25 de Abril de 1974 e dos valores que projectou de liberdade, democracia, justiça social, paz e soberania, foi, essencialmente, resultado da luta dos trabalhadores e do povo português, que viram nela reflectida os seus direitos, as suas aspirações, as conquistas e as profundas transformações e mudanças que protagonizaram, num tempo de viragem e ruptura com a ditadura fascista, a opressão e colonialismo».
«Foi a ampla e prolongada luta da classe operária, dos trabalhadores, da juventude, do povo português, que permitiu que a Revolução tomasse um vastíssimo conjunto de medidas a favor dos trabalhadores e do povo, e que deixou a sua marca indelével na Constituição da República Portuguesa», insistiu Jerónimo de Sousa, que depois de «prestar homenagem aos deputados constituintes» e ao trabalho para o qual «o PCP se orgulha de ter dado uma generosa e qualificada contribuição», defendeu que «a Constituição da República, apesar da gravidade das mutilações e das perversões que sofreu com os sete processos de revisão que foram concluídos, contém um claro projecto de uma ampla democracia com uma solução de futuro para Portugal».
«Uma democracia assumida em todas as suas dimensões, não em termos de declaração geral, mas concretas – política, económica, social e cultural e que consubstancia o projecto transformador e de modernidade da Revolução de Abril», esclareceu.
Por isso, prosseguiu, «nela se inscrevem os direitos dos trabalhadores como intrínsecos à democracia» e «se expressa o direito ao trabalho para todos e a execução de políticas económicas de pleno emprego»; «nela permanecem como princípios constitucionais a propriedade pública dos recursos naturais e de meios de produção, de acordo com o interesse colectivo; o planeamento democrático; a participação das organizações representativas dos trabalhadores na definição das medidas económicas e sociais».
«Nela se proclama a exigência de subordinação do poder económico ao poder político e a incumbência ao Estado de dar prioridade às políticas económicas e de desenvolvimento que assegurem o aumento do bem-estar social, a qualidade de vida das pessoas, a justiça social e a coesão económica e social de todo o território nacional», e «nela estão consignadas as obrigações do Estado em relação a domínios tão importantes como os da educação e do ensino, da saúde, da Segurança Social, da cultura, consagrando a gratuitidade da educação obrigatória e o direito a aceder aos mais elevados graus de ensino!»
Na Constituição, acrescentou o Secretário-geral comunista, «se estipulam os justos princípios que devem nortear as relações internacionais e pelas quais Portugal se deve reger – os princípios da igualdade entre os Estados, da solução pacífica dos conflitos e da não ingerência nos assuntos internos de outros Estados, o desarmamento e a dissolução dos blocos militares», bem como se «consagra a protecção especial dos jovens na efectivação dos seus direitos económicos, sociais e culturais», determina-se que «a política de juventude deve ter como objectivos prioritários o desenvolvimento da personalidade dos jovens» e «está expresso o direito de associação e de participação na vida pública, que está na base do movimento juvenil e do movimento estudantil».
Faz falta
«São estes princípios, opções e instrumentos de intervenção que deviam e podiam orientar e garantir uma política de desenvolvimento económico e social ao serviço do povo e do País, uma política inspirada nos valores de Abril como claramente o assume a política patriótica e de esquerda proposta pelo PCP aos portugueses», continuou o dirigente comunista, para quem «Portugal precisa de concretizar com urgência uma política que retome na sua plenitude o projecto de sociedade e de organização da nossa vida colectiva que a Constituição consagra».
De resto, «se a Constituição fosse inócua, a direita e o capital não estavam tão interessados, como sempre estiveram, na sua revisão. A Constituição contém um conjunto de direitos fundamentais com os quais nunca se conformaram e que têm força jurídica».
Assim, «é a consagração constitucional destes direitos e o seu exercício pelo povo português, no plano político, social e cultural, que constituem o mais sério obstáculo ao domínio absoluto do poder económico e dos governantes que o servem», não sendo por isso de estranhar que «na legislatura que agora se iniciou», a direita tenha já anunciado «o seu propósito de abrir um novo processo de revisão, tal como tentou em 2011».
«Se esse processo for aberto», alertou Jerónimo de Sousa, «o PCP assumirá, como sempre, o seu papel de defesa da Constituição e dos valores que dela emanam e opor-se-á a quaisquer tentativas para os subverter».
«E em quaisquer circunstâncias, o PCP opor-se-á a políticas que neguem na prática a efectividade das disposições constitucionais e dos direitos constitucionalmente consagrados», aduziu, antes de concluir que «para que os direitos fundamentais sejam respeitados e para que as tarefas fundamentais do Estado sejam efectivamente cumpridas, é necessário lutar por um poder político determinado em cumprir e fazer cumprir a Constituição, em concretizar os direitos nela consignados e em levar por diante o projecto de democracia política, económica, social e cultural que a Constituição projecta para o presente e para o futuro de Portugal».
Inimigos de sempre
Na sessão «A minha Constituição», o Secretário-geral do PCP não deixou passar em claro os «inimigos declarados» e os «inimigos dissimulados» que a Constituição mobilizou desde sempre. «As forças conservadoras e retrógradas, políticas e sociais, os grandes interesses económicos e financeiros, os grandes senhores da terra, nunca se conformaram com o seu projecto libertador e emancipador e viram a Constituição de Abril como um obstáculo à reposição e afirmação dos seus interesses e do seu poder perdido», acusou.
Daí que «a Constituição enfrentou cíclicas ofensivas que a mutilaram e empobreceram em várias áreas e relevantes aspectos, limitando o seu alcance e conteúdo progressista», explicou Jerónimo de Sousa, que recordando que «a direita portuguesa» «tentou impedir a sua aprovação em 1976», «afastá-la por via de um golpe constitucional derrotado nas eleições presidenciais de 1980», e responsabilizando o PS de «cedências em sucessivas revisões constitucionais», advertiu que o objectivo de «liquidar a Constituição nas suas bases mais sólidas», continua na ordem do dia.
Aliás, «em muitos momentos, as forças políticas que se opuseram à Constituição fizeram dela o bode expiatório dos males do País para iludir as graves responsabilidades da política de direita conduzida por Governos de PSD, CDS e PS que explicitamente a afrontava ou omitia para servir os seus interesses ilegítimos e que é a verdadeira causa das dificuldades do País e dos portugueses», disse ainda.
Não são palavras vãs
«A Constituição, como vimos pelos testemunhos aqui trazidos por jovens de todo o País, não é um conjunto de palavras vãs. Ela é de cada um e corresponde à nossa vida concreta. Se for cumprida, responderá às nossas aspirações, sonhos e anseios. Nos seus conteúdos, é uma arma para a luta que travamos todos os dias».
As palavras são de Afonso Beirão, da DN da JCP, para quem, «quando os estudantes, no passado dia 24 de Março, saíram à rua a exigir a gratuitidade do Ensino Superior público, a contratação de mais funcionários e professores, ou o respeito pelos estudantes do Ensino Profissional, (...) estavam e estão a exigir que se cumpra a Constituição, que se cumpra Abril».
Como sucedeu «quando os jovens trabalhadores saíram à rua no passado dia 31 de Março, pelo fim da precariedade, pelo trabalho com direitos, por aumentos salariais; quando os jovens se movimentam em defesa do ambiente» ou «reclamam o direito à criação, à arte e à cultura», exemplificou ainda Afonso Beirão, que criticando os que «teorizam que “os direitos sociais são meros direitos programáticos, mais ou menos indicativos, mas não são verdadeiramente direitos”», defendeu que «os direitos inscritos na Constituição são fundamentais e correspondem às exigências do povo, em especial da juventude. Por isso vale a pena lutar pelo cumprimento da Constituição».