Um sobressalto pela paz e a democracia

João Oliveira

A ofensiva anticomunista é parte de um problema ainda mais vasto

O momento que vivemos não está só negativamente marcado pela guerra, as suas dramáticas consequências e a imprevisibilidade dos seus desenvolvimentos. Está também negativamente marcado pelas concepções e atitudes antidemocráticas que se vão instaurando, normalizando ou agudizando ao ritmo da defesa e da escalada da guerra.

Talvez só a passagem do tempo permita caracterizar, com rigor, a profundidade e dimensão dos perigos com que a democracia está já hoje confrontada. Mas, com toda a certeza, é agora que é preciso suscitar em todos os democratas um sobressalto cívico que aponte o sentido que a sua acção deve assumir de forma a evitar a constatação de que a democracia soçobrou por falta de quem se batesse por ela.

Vem isto a propósito das barreiras democráticas que vão sendo derrubadas na cavalgada de imposição do pensamento único, numa operação que pode vir a ser a oportunidade para impor uma alteração qualitativa do próprio regime democrático.

O que está em causa é muito mais do que a ofensiva anticomunista, ainda que só por si ela seja já reveladora dos objectivos antidemocráticos que animam aquela cavalgada.

Falsificando as suas posições, critica-se o PCP por aquilo que não defende, faz-se comentário político «interpretando» as falsificações de forma a promover o ódio anticomunista e, no fim, ainda se acaba a querer acusar os comunistas de promoverem o discurso de ódio ao defenderem as suas posições.

Com o ataque aos comunistas procura-se dar o sinal a quem quer que ouse questionar ou divergir do pensamento único, na esperança de apagar do espaço público e político toda e qualquer voz discordante.

A ofensiva anticomunista é apenas parte (ainda que a mais evidente e visível) do problema mais grave que é a tentativa de promover o apoio público à escalada da guerra impondo um pensamento único a partir de um arsenal de medidas e atitudes antidemocráticas.

Censura e propaganda

É a defesa da guerra e a procura de apoio popular à sua escalada que estão na origem da ofensiva contra quem defende a paz, a começar pelos comunistas mas indo muito além deles. E com esses fins justifica-se a utilização de todos os meios, mesmo os antidemocráticos.

Criticando a censura russa, impõe-se a censura europeia. Difunde-se propaganda de guerra como se de informação se tratasse, sem questionar a veracidade das narrativas apresentadas por «fontes militares» e sem sequer evitar que imagens de vídeo-jogos ou de outras guerras sejam divulgadas como sendo do conflito na Ucrânia. Exploram-se imagens da violência da guerra, de forma a que a exacerbação das emoções introduza a irracionalidade que leve à sua escalada – quando a brutalidade desses exemplos devia, sim, alertar para a necessidade de travar a guerra e de lhe pôr fim. Matraqueia-se um discurso mediático em que a guerra surge como algo que se pode defender e promover sem risco, sem consequência, porque está lá longe, porque só atinge os outros, porque pode ser desligada com o comando da TV quando se quiser.

Criminalização do pensamento

Simultaneamente, procura-se apagar a realidade da guerra na Ucrânia levar já oito anos e 15 mil vítimas mortais e de uma parte significativa do povo ucraniano ser vítima de discriminação e xenofobia por parte do poder do seu próprio país e acusa-se quem relembra esses factos e os seus contornos mais violentos de estar a justificar uma agressão militar.

Tenta-se impedir o questionamento da propaganda de guerra e acusa-se quem o faz de estar do «lado da Rússia», de ser «agente russo» ou «a favor da invasão». Militares e comentadores políticos que identificam na NATO e na UE alguns dos responsáveis pela guerra ou procuram descortinar motivações políticas, económicas ou geoestratégicas para decisões militares e alertam para os perigos da continuação da guerra e da sua escalada, são considerados cúmplices da guerra e colocados sob suspeita de terem agendas escondidas, de serem «avençados» ou de terem «simpatias» pelos agressores.

E até já se avança com a ideia de criminalização do pensamento e da opinião de quem ouse contrariar ou distanciar-se da narrativa do pensamento único, assumindo que a ameaça (ou mesmo concretização) da prisão de quem defende a paz é um meio legítimo para se poder «livremente» defender a escalada da guerra.

É já a liberdade de expressão de quem defende a paz a soçobrar perante a necessidade de impor um pensamento único sobre a guerra, com a defesa às claras da instauração do delito de opinião e da criminalização do discurso político como meios aceitáveis para alcançar aquele fim.

Defender a paz e a liberdade

Ainda que em alguns casos possam ser objectivos de protagonismo pessoal ou promoção mediática a determinar esse posicionamento individual, o quadro mais geral em que este tipo de concepções e atitudes antidemocráticas se vão instaurando, normalizando ou agudizando obriga os democratas a reflectir e a agir para que elas não vinguem.

O percurso que já foi feito na cavalgada de imposição do pensamento único e o carácter abertamente antidemocrático das posições e medidas tomadas para o sustentar são já, só por si, motivo de sobressalto democrático e de acção. Sobressalto e acção para a defesa da paz e a rejeição da guerra, mas também para a defesa do regime democrático cuja conquista estamos a celebrar neste mês de Abril.

As comemorações populares do 48.º aniversário do 25 de Abril por todo o País são uma grande afirmação dos valores de Abril, resposta aos novos velhos inquisidores, afirmação de confiança na liberdade e na democracia que se impõe prosseguir todos os dias.




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