Baixas de uma outra guerra

Filipe Diniz

O jornal in­glês PLOS Me­di­cine pu­blica um exem­plar es­tudo (https://​jour­nals.plos.org/​plos­me­di­cine/​ar­ticle?id=10.1371/​journal.pmed.1003904#sec011). Trata-se de cruzar as mortes por COVID em In­gla­terra e no País de Gales em 2020 com dados sobre a de­si­gual­dade socio-eco­nó­mica e ge­o­grá­fica. Quan­ti­fica uma imagem for­tís­sima: os anos de vida per­didos (YLL, years of life lost). Trata-se de um ín­dice que toma em conta tanto o nú­mero de mortes como a idade em que elas ocorrem.

Diz que «a real es­cala das de­si­gual­dades pode ter sido su­bes­ti­mada até agora, e o im­pacto do COVID nas áreas mais po­bres de In­gla­terra e de Gales é pior do que ini­ci­al­mente se pen­sava». O nú­mero es­ti­mado de YLL no em­po­bre­cido no­ro­este (1550) é três vezes su­pe­rior ao do prós­pero su­do­este (490). No pe­ríodo ana­li­sado - entre Março e De­zembro de 2020 - o quintil mais pobre perde mais 729 anos de vida do que o quintil mais rico. A mor­ta­li­dade total (COVID ou não) nas áreas mais po­bres é 11 vezes su­pe­rior no grupo etário dos 15 aos 44 anos, três vezes no grupo dos 45 aos 64 anos, 40% su­pe­rior nos 65 aos 84 anos, e sig­ni­fi­ca­ti­va­mente a mesma no grupo dos mais de 85 anos. «Este pa­drão de uma mor­ta­li­dade des­pro­por­ci­o­na­da­mente mais ele­vada em grupos etá­rios mais jo­vens exa­cerbou de­si­gual­dades pré-pan­dé­micas entre as áreas mais ricas e as mais po­bres.»

Iden­ti­ficar e ca­rac­te­rizar um pro­blema não é re­solvê-lo. Mas pode dar força à de­núncia e à rei­vin­di­cação de que seja re­sol­vido. No nosso país – cer­ta­mente ainda mais de­si­gual que a Grã-Bre­tanha – des­co­nhece-se qual­quer es­tudo se­me­lhante. Talvez porque se trata de tra­ba­lhar para um pós-COVID que pros­siga, para pior, a si­tu­ação an­te­rior à pan­demia. Uma si­tu­ação que pro­voca des­pro­por­ci­o­nadas baixas entre os po­bres, e lhes re­tira sé­culos de vida. Não serão a po­lí­tica de di­reita e o eu­ro­bu­ro­crá­tico PRR que a re­sol­verão.




Mais artigos de: Opinião

Ucrânia, a questão de fundo

Não é possível compreender a perigosíssima situação que se está a viver em torno da Ucrânia sem lembrar o dramático salto atrás no processo de libertação dos trabalhadores e dos povos que significou o desaparecimento da URSS e o caminho desde então percorrido pela contra-ofensiva do imperialismo para recuperar as...

Que peso terá o salário?

O Instituto Nacional de Estatística (INE) publicou (22 de Fevereiro de 2022) os resultados do Inquérito às Condições de Vida e Rendimento - 2021 divulgando dados sobre as condições de vida das crianças em Portugal, no ano de 2021. Ora, que conclui o INE sobre a matéria investigada? Que em 2021, dos 1,5 milhões de...

Solidários

Por estes dias entram-nos pela casa dentro imagens de dor, de sofrimento, de angústia, de incerteza e insegurança de populações atingidas pela Guerra. Vidas perdidas, famílias separadas, habitações atingidas. Medo. Muito medo. As mais difíceis de suportar, como sempre, são as que envolvem crianças, inocentes absolutos,...

Hipocrisia belicista

A hipocrisia anda à solta. Criticando a intervenção russa na Ucrânia, Joe Biden reafirmou o seu apego ao direito internacional, o mesmo que as tropas do seu país espezinham nas zonas ilegalmente ocupadas do Norte da Síria ou nos bombardeamentos na Somália, os últimos há poucos dias. Defende a liberdade dos povos...