Que peso terá o salário?

Manuel Rodrigues

O Instituto Nacional de Estatística (INE) publicou (22 de Fevereiro de 2022) os resultados do Inquérito às Condições de Vida e Rendimento - 2021 divulgando dados sobre as condições de vida das crianças em Portugal, no ano de 2021.

Ora, que conclui o INE sobre a matéria investigada?

Que em 2021, dos 1,5 milhões de crianças com menos de 16 anos em Portugal quase 11% (cerca de 165 mil) pertenciam a agregados familiares em privação material e social.

E em que se traduziram estas privações segundo o estudo do INE? No facto de 15,5% das crianças não terem conseguido passar férias fora de casa pelo menos uma semana por ano; 9,7% das crianças não terem conseguido participar regularmente numa actividade extracurricular ou de lazer; 6,6% não terem podido participar em viagens e actividades escolares não-gratuitas; 4,3% não poderem comprar roupa nova; 1,6% não terem conseguido celebrar ocasiões especiais e 1,5% não ter podido convidar amigos de vez em quando, para brincarem e comerem juntos.

O estudo fica-se por estes traços do retrato material e social. E, convenhamos, não é pouco. Mas é legítimo questionar porque foi deixada de fora uma consequência óbvia desta privação: as (muitas) situações de subnutrição e fome.

Por outro lado, aponta este estudo como factores que influenciam este estado de privação o número de pessoas do agregado familiar e e a escolaridade dos pais. Mas, e factores como os baixos salários dos pais, a precariedade nas relações laborais, a desregulação dos horários de trabalho não pesaram nada neste quadro?

Dir-se-á que o estudo não aspirava a tanto. Que o INE tinha que seleccionar variáveis. Mas, convenhamos, o salário não é um mero elemento acessório. É questão essencial. Pesa muito na vida das crianças e dos pais.

É certo que o INE não estava obrigado a abranger no seu inquérito todos os factores. Mas há silêncios ensurdecedores pelo ruído que provocam.

É que para transformar a realidade, é preciso interpretá-la com a objectividade necessária. Ou será por isso mesmo que acontecem tão flagrantes omissões?…




Mais artigos de: Opinião

Ucrânia, a questão de fundo

Não é possível compreender a perigosíssima situação que se está a viver em torno da Ucrânia sem lembrar o dramático salto atrás no processo de libertação dos trabalhadores e dos povos que significou o desaparecimento da URSS e o caminho desde então percorrido pela contra-ofensiva do imperialismo para recuperar as...

Solidários

Por estes dias entram-nos pela casa dentro imagens de dor, de sofrimento, de angústia, de incerteza e insegurança de populações atingidas pela Guerra. Vidas perdidas, famílias separadas, habitações atingidas. Medo. Muito medo. As mais difíceis de suportar, como sempre, são as que envolvem crianças, inocentes absolutos,...

Baixas de uma outra guerra

O jornal inglês PLOS Medicine publica um exemplar estudo (https://journals.plos.org/plosmedicine/article?id=10.1371/journal.pmed.1003904#sec011). Trata-se de cruzar as mortes por COVID em Inglaterra e no País de Gales em 2020 com dados sobre a desigualdade socio-económica e geográfica. Quantifica uma imagem fortíssima:...

Hipocrisia belicista

A hipocrisia anda à solta. Criticando a intervenção russa na Ucrânia, Joe Biden reafirmou o seu apego ao direito internacional, o mesmo que as tropas do seu país espezinham nas zonas ilegalmente ocupadas do Norte da Síria ou nos bombardeamentos na Somália, os últimos há poucos dias. Defende a liberdade dos povos...