Ucrânia, a questão de fundo

Albano Nunes

A luta pela paz e contra o imperialismo deve intensificar-se

Não é possível compreender a perigosíssima situação que se está a viver em torno da Ucrânia sem lembrar o dramático salto atrás no processo de libertação dos trabalhadores e dos povos que significou o desaparecimento da URSS e o caminho desde então percorrido pela contra-ofensiva do imperialismo para recuperar as posições perdidas ao longo do século XX. O rasgar dos históricos compromissos da Acta Final de Helsínquia em matéria de cooperação e segurança na Europa. O constante reforço e expansão da NATO, articulada com o alargamento da União Europeia, apesar da dissolução do Tratado de Varsóvia. A guerra de destruição da Jugoslávia com a amputação à Sérvia do Kosovo, criando aí um Estado criminoso. As frequentes exibições de força militar ao longo das fronteiras da Rússia do Báltico ao Mar Negro. A denúncia de importantíssimos tratados de desarmamento como o tratado sobre forças nucleares de alcance intermédio.

A política do imperialismo em relação à Ucrânia insere-se nesta estratégia expansionista que, com o golpe da praça Maidan de 2014, instalou em Kiev um governo fascizante que não só não cumpriu os acordos de Minsk (sufragados pela própria ONU) para solucionar politicamente a questão do Donbass, como conduziu uma guerra que provocou muitos milhares de vítimas nas populações resistentes das províncias de Donetzk e Lugansk e se preparava para um assalto decisivo.

O PCP escandalizou os propagandistas da guerra com a sua firme condenação da escalada de tensão e propaganda belicista promovida pelos EUA, NATO e UE, que precedeu a intervenção militar da Rússia na Ucrânia, e tem sido alvo dos mais infames ataques anticomunistas por não acompanhar o coro que visa apresentar os verdadeiros responsáveis pela trágica situação a que se chegou no Leste da Europa como pacíficos humanistas e impolutos guardiões da legalidade internacional. Eles, que com a destruição da Jugoslávia à bomba, trouxeram a primeira guerra à Europa depois da Segunda Guerra Mundial e que não só rejeitaram considerar legítimas preocupações e propostas de acordos de segurança apresentadas ao longo dos anos por Moscovo, como intensificaram iniciativas hostis, nomeadamente instrumentalizando o governo ucraniano ao ponto deste anunciar o propósito de se dotar de armamento nuclear.

O PCP não está só ao sublinhar as responsabilidades maiores dos EUA, NATO e UE na situação criada ao mesmo tempo que, rejeitando o caminho da guerra, «apela à urgente desescalada do conflito, à instauração de um cessar-fogo e à abertura de uma via negocial». Outras vozes honestas, corajosas mesmo, nomeadamente de militares, tem conseguido romper a densa cortina de manipulação mediática e de cínico abuso dos sentimentos humanos A importância de não ceder a chantagens e de alargar a contestação à narrativa construída pelos centros mais agressivos do imperialismo é tanto maior quanto estão em marcha projectos militaristas de grande envergadura, cuja adopção está prevista para o Conselho Europeu de 24 e 25 de Março em Bruxelas e para a Cimeira da NATO de 29 e 30 de Junho em Madrid.

Sejam quais forem os desenvolvimentos em torno da Ucrânia, é necessário alertar em relação a tais projectos e não nos distrairmos em relação à situação na região Ásia-Pacífico. A luta anti-imperialista pelo desarmamento e a paz tem de se intensificar.




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