Inflação e preços regulados

José Alberto Lourenço

Depois de um ano de 2020 marcado pela epidemia e pelo confinamento obrigatório em largos períodos do ano de grande parte da população, com o início da vacinação das populações e por essa via do controlo da COVID-19, 2021 teria de ser inevitavelmente um ano de alguma retoma na vida económica dos países.

As tarifas reguladas na electricidade foram mantidas por iniciativa do PCP

Se, em 2020, a actividade económica mundial sofreu uma quebra inédita, acompanhada por uma forte redução do comércio mundial e por uma quebra considerável nos preços das matérias-primas energéticas, alimentares e industriais, 2021 foi já um ano de recuperação económica. A retoma foi, no entanto, condicionada pelos estrangulamentos no transporte de mercadorias, pela escassez da oferta de bens de consumo, intermédios e de investimento, e pelo forte aumento dos custos das matérias-primas e dos transportes.

O custo do transporte marítimo das matérias-primas triplicou ao longo do corrente ano, ao mesmo tempo que o prazo de entrega das mercadorias conheceu atrasos nunca antes registados. Como reflexo desta situação, os preços das matérias-primas aumentaram de forma generalizada e significativa no corrente ano, após os baixos níveis atingidos em 2020. Os preços do gás natural quintuplicaram e os do carvão duplicaram, atingindo recordes na Europa e na Ásia, sendo que a dimensão global destas subidas não tem precedentes. O preço do petróleo em euros subiu 72 por cento entre o início do ano e final de Novembro. Os preços das matérias-primas alimentares e industriais também aumentaram no mesmo período, 34 e 11 por cento. No caso da madeira, do ferro e do aço, os preços atingiram máximos históricos em meados do ano.

Um factor comum a estas subidas prende-se com o claro desfasamento que se verifica entre a procura de bens de consumo final por parte das famílias e de bens intermédios e de investimento por parte das empresas e a oferta por parte dos fornecedores, estejam eles no próprio país ouno outro lado do mundo. Um exemplo muito referido da escassez de bens intermédios diz respeito à indústria de semicondutores, que é um fornecedor crucial de indústrias como a de equipamentos informáticos e electrónicos e a de fabricação automóvel.

Preços disparam

Entre as várias condicionantes da retoma que se tem vindo a verificar na actividade económica ao longo de 2021, a forte subida dos preços das matérias-primas energéticas e não energéticas e dos custos de transportes das mercadorias, frequentemente referidos pela comunicação social, constituem factor de preocupação para as famílias portuguesas, pelo seu impacto final sobre os preços no consumidor.

Uma leitura conjunta do Índice Harmonizado de Preços no Consumidor (IHPC), que permite comparar a evolução dos preços no consumidor entre os países da UE, mostra-nos que o impacto dos aumentos dos preços das matérias-primas sobre os preços no consumidor na área do euro tem sido limitada, que esse impacto é mais notório nos bens energéticos e que a transmissão da subida dos preços do petróleo e, em particular, do gás e da electricidade, aos preços no consumidor não é a mesma nos diferentes países da área do euro, reflectindo diferenças nas políticas nacionais de fixação destes preços e na fiscalidade.

Os dados há poucos dias divulgados pelo Eurostat e pelo INE referentes a Novembro passado provam isso mesmo, as variações homólogas mensais do Índice de Preços no Consumidor (IPC) atingiram neste mês os valores máximos registados no ano e diferem consideravelmente entre os países da zona euro, para uma média de 4,9 por cento para o total da zona euro, verifica-se um mínimo de 2,4 por cento para Malta e 2,6 por cento para Portugal e um máximo de 9,3 por cento para a Lituânia, 8,6 para a Estónia, 7,4 para a Letónia, 7,1 para a Bélgica, 6,0 para a Alemanha, 5,9 para os Países Baixos, entre outros.

Esses mesmos dados mostram também que, enquanto os bens energéticos, que incluem a electricidade, o gás e outros combustíveis líquidos e sólidos consumidos nas habitações familiares, e os combustíveis consumidos no transporte pessoal pelas famílias, que integram o IHPC referente à zona euro, aumentaram os seus preços neste mês, 27,5 por cento, no caso português esse aumento foi em termos homólogos, de 14,1 por cento, cerca de metade.

Tarifas reguladas «seguram» preços
À pergunta que todos fazemos - por que razão os preços dos bens energéticos estando a subir em Portugal e nos países da zona euro, sobem a um ritmo na zona euro que é o dobro do nosso país? - a resposta é para nós óbvia: tal deve-se ao facto de em Portugal existirem tarifas eléctricas reguladas estabelecidas anualmente, o que impede aumentos dos preços da electricidade ao sabor das variações quase instantâneas que hoje se verificam nos mercados internacionais.

Prova-se com o caso da tarifa regulada da electricidade, que faz com que o nosso país seja hoje um dos dois países, não apenas da zona euro mas de toda a União Europeia, em que os bens energéticos menos sobem, a importância da regulação dos preços não apenas da electricidade, mas do gás, dos combustíveis, dos transportes e de outros bens e serviços essenciais às famílias portuguesas, no controlo do crescimento dos preços do seu cabaz de compras mensais.

Ora, é bom lembrar que foi por iniciativas do PCP na Assembleia da República (nomeadamente do Projecto de Lei n.º 482/XIII/2.ª, apresentado em 30 de Março de 2017) que se assegurou a recuperação e a continuidade da tarifa regulada e o direito de opção aos consumidores finais pelo regime de tarifas reguladas durante o período em que aquele regime vigore, contrariando-se desta forma a Resolução do Conselho de Ministros n.º 34/2011 de 1 de Agosto, que determinava a extinção do sistema de tarifas reguladas no abastecimento de energia eléctrica aos consumidores, como imposição do Memorando de Entendimento/ Pacto de Agressão, assinado entre o governo do PSD/CDS e a troika.

 



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