Toxicidades

João Frazão

«Relativamente ao fim da vida útil, a excreção humana e os tratamentos de águas residuais colocam um fardo adicional nos impactos ambientais». Este primor do labor parlamentar, esta pérola da prosa legística nacional, pode ser encontrada no Projecto de Lei do PAN, esta semana discutido na Assembleia da República, que visava a afixação em todos os alimentos, não apenas do preço, mas dos impactos ambientais associados à sua produção.

Partindo do tóxico e esdrúxulo princípio de que a agricultura é a mãe de todos os males no que aos ataques ao ambiente diz respeito, o PAN considera que os agricultores devem ser tratados como os perigosos meliantes que são, legislandonesse sentido em todas as matérias.

Para o PAN, o João Sousa, que vende uns legumes no mercado de Aveiro, e que se vê às aranhas com os preços dos combustíveis e dos fertilizantes, teria ainda de pagar à Universidade de Aveiro para que lhe fizesse um estudo do impacto ambiental da hortelã que apanha à beira de um riacho para vender em molhos de 50 cêntimos, das cenouras, das alfaces, ou dos tomates da época, ou das maçãs e dos diospiros que duas árvores que tem no quintal atrás de casa vão dando.

E o João, que foi multado e julgado, porque num determinado sábado se esqueceu de afixar o cartão onde anuncia os preços da sua produção, tendo sido considerado inocente desta vez, não sei se se safa se apanhado sem o impacto ambiental dos seus coentros.

Mas o PAN vai mais longe e começa já a meter-se com as entranhas de uma pessoa. Partindo da ideia de que a alimentação humana é um veneno dos diabos para o planeta, conclui pelo mimo conceptual com que iniciamos este escrito.

Daí nós nos questionarmos se o PAN, para cumprir o seu ideário de proibir, punir e prender, se estará a preparar, primeiro, para banir a produção de batatas, de pepino e de arroz, porque ultrapassem impactos que considere inaceitáveis, depois, para mandar abater todas as vacas mertolengas, barrosãs e charolesas que expelem gases piores que os do vulcão de La Palma e, por fim, proibir a defecação humana que é, julgava eu, tão antiga como a própria humanidade, ou apenas para fazer uma grande campanha de promoção da prisão de ventre!




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