Histórias de luta e de coragem das mulheres da Marinha Grande
O Museu do Aljube, em Lisboa, acolheu, dia 28 de Setembro, a iniciativa «Fragmentos de vidas, de resistência e de luta – Mulheres da Marinha Grande», promovida pelo Movimento Democrático de Mulheres (MDM).
«Não ser livre é sufocar em vida»
A conversa – conduzida por Ana Souto, membro da Direcção Nacional do MDM – contou com a participação de Alda Sousa, Júlia Santos(antigas operárias vidreiras) e Etelvina Ribeiro, dirigente do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria Vidreira, operária na Manuel Pereira Roldão e membro do Conselho e Direcção Nacional do MDM. Foram ainda visionados dois testemunhos, recolhidos pelo Museu do Aljube, de Esmeralda Serrão, que viveu os primeiros anos da sua vida na Nazaré e depois foi morar e trabalhar para a Marinha Grande, e de Júlia Santos.
No arranque dos trabalhos, Rita Rato, directora do Museu do Aljube, sublinhou que esta é uma «homenagem às mulheres da Marinha Grande», pela «sua história de resistência e luta, que coincide, «felizmente», com a exposição ali patente, até ao final do ano, intitulada «Mulheres e Resistência – Novas Cartas Portuguesas e outras lutas», que adopta o nome do livro «Novas Cartas Portuguesas», de Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta e Maria Velho da Costa, publicado em 1972 e censurado três dias após o lançamento. A exposição pretende relevar o contributo de tantas mulheres que, com origens e percursos diferentes, inventaram e concretizaram batalhas pelos seus direitos, pela justiça social e pela liberdade, desde os anos 30 até ao 25 de Abril. Todos estes processos destacam o papel insubstituível das mulheres ao longo dos 48 anos de resistência ao fascismo e a sua importância na conquista da liberdade no nosso País.
Resistência
Ana Souto começou por citar o testemunho de Marília Aura Paula Veloso, no livro «Mulheres da Marinha Grande – Histórias de luta e de coragem», que refere: «A liberdade tem um custo muito elevado. Mas não ser livre é sufocar em vida». «Esta é, de facto, uma frase que diz muito sobre a luta travada e a consequências que acarretou. É de luta pela liberdade, uma luta longa e firme contra a opressão e o fascismo, contra a miséria e a fome, por melhores condições de trabalho e de vida que se faz a história da Marinha Grande, permanecendo, até hoje, o 18 de Janeiro de 1934 como um acontecimento único, exemplo das fortes acções de luta que se fizeram», destacou, acrescentando: «Nessa luta foram presos e torturados, por vezes até à morte, os melhores filhos» da Marinha Grande.
«Com o aumento da luta dos operários vidreiros, aumentou a repressão» e, quando foi criada a Colónia Penal do Tarrafal, dos 136 presos políticos que para aí foram, 57 eram marinhenses, informou. Muitos outros estiveram no Aljube, em Peniche, em Caxias, para onde foram enviadas as mulheres, e deportados para Angra do Heroísmo e outras prisões portuguesas.
Ana Souto citou ainda o testemunho de Cremilda Gomes, para ilustrar o sofrimento das mulheres, que não foi menor do que o dos homens: «Era como se um animal feroz nos rasgasse e ali ficámos em carne viva. Que coragem de tantas mulheres. Tiveram que trabalhar para criar os filhos. Tiveram que sobreviver para esperar os maridos. E é tão raro ouvir-se falar da sua coragem e da sua luta.»
Testemunhos
Esmeralda Serrão: «Naquele tempo, na Nazaré não havia porto de abrigo. Estavam Invernos inteiros sem ir ao mar. Não pescavam, não ganhavam, era fome, fome, fome. Quando se sujeitavam acabavam por morrer nas ondas, famílias inteiras».
Júlia Santos: «Trabalhávamos de empreitada. O que recebíamos – 12 tostões por garrafão – não era suficiente para comer. (…) Quando havia greve, fazíamos todas. (…) O 1.º de Maio de 1974 foi muito bom, dançámos, cantámos. Há tanto tempo que esperávamos por esse dia».
Alda Sousa (na sessão): «As mulheres empalhadeiras estavam sempre presentes na luta. (…) A empalhação era um trabalho terrível. Os nossos filhos iam para traz de nós, para um caixote; sofreram muito com tanta miséria que havia. (…)
Etelvina Ribeiro(na sessão): «Nos anos 50, 60 e inícios dos anos 70, meninos com 6, 7, 8, 9 anos já iam trabalhar para as fábricas – aos 18 anos eram trabalhadores maduros e revolucionários. (…) O meu pai teve que trabalhar 20 anos para ter direito a 8 dias de férias, que não eram pagas. Só após o 25 de Abril (de 1974) é que tudo se alterou, nomeadamente no que diz respeito aos direitos laborais.