No centenário do nascimento de Guilherme da Costa Carvalho

Lê-se numa curta nota biográfica: preso em 1948, libertado em 1954. Preso em Abril de 59, evade-se em Janeiro de 60 do Forte de Peniche. Preso em Novembro de 60, evade-se em Dezembro de 61 de Forte de Caxias. Preso em Maio de 63, foi libertado em Fevereiro de 72. Total: 16 anos e 6 meses de prisão.

«Não prestou esclarecimentos», escrevia a PIDE. Era assim Guilherme da Costa

Poderemos acrescentar: nasceu no Porto, em 11 de Junho de 1921, entrou na clandestinidade em 1945, como militante do PCP, faleceu em 1973, com 51 anos. A polícia política só o libertou quando se convenceu que, gravemente enfermo, pouco tempo teria de vida. Estas palavras, dizendo muito sobre um percurso de vida e a violência da ditadura, dizem pouco sobre uma das figuras mais singulares e marcantes da resistência ao fascismo.

Em finais de 1945, aluno da Faculdade de Ciências, abandonou os estudos e ingressou na clandestinidade. Viria a ser preso em Outubro de 1948, na estação de Abrantes, por uma patrulha da GNR, alertada por um incidente fortuito, tendo-lhe sido apreendida documentação que o vinculava ao PCP. Entregue à PIDE, é interrogado e torturado. Tiveram de escrever, como voltariam a fazê-lo em ocasiões posteriores: «Não prestou esclarecimentos.» No seu cadastro policial, começou por ser identificado como estudante, depois proprietário e finalmente sem profissão.

Defendido pelo advogado Armando Bacelar, foi condenado a três anos e nove meses de degredo.

Herculana e Luís de Carvalho visitam mais tarde o filho no Tarrafal. Autorizaram-nos a ornamentar com flores as campas dos prisioneiros falecidos e a fotografar todos os camaradas de presídio, a quem prometeram entregar as fotos às famílias no regresso a Portugal. Percorreram o país lés a lés, levaram as fotos e falaram com as famílias, como aconteceu com Maria José Ribeiro, filha de Joaquim Ribeiro (17 anos preso!), um dos marinheiros revoltosos de 1936. No regresso a Cabo Verde, cumprida a promessa, foram dadas notícias das famílias. Um abraço colectivo, um gesto de grandeza humana.

O Avante! de Fevereiro de 1953 apela a uma campanha massiva pela libertação de Guilherme da Costa Carvalho, que viria a ocorrer no ano seguinte.

Ainda em 1954, a PIDE alerta que deixou de comparecer nas apresentações periódicas a que ficara obrigado. Regressara à actividade clandestina.

Coragem!

Em 1959, nova prisão, novo julgamento. No libelo acusatório, já se assinala que pertence ao Comité Central e que foram encontrados na sua posse «anotações sobre greves, panfletos de agitação da classe piscatória e operária».

A seguir à candidatura presidencial de Norton de Matos, em 1949, gerou-se um período de refluxo, um dos mais tenebrosos da ditadura. Condições de vida miseráveis nas cidades e nos campos, prisões em massa (como, em 1955, o Processo dos 52), demissões forçadas na Função Pública e na Universidade, assassínios políticos, conduziram ao desânimo e ao atentismo. O governo conquistara credibilidade externa ao ser admitido na ONU e na NATO. Traços de fractura na Oposição tornavam-se mais visíveis. A pressão anticomunista era cada vez maior. Ganhavam corpo as ilusões legalistas, de «transição pacífica».

Mas nunca deixou de haver iniciativa política – foi criado o MND, apresentada a candidatura presidencial de Ruy Luís Gomes, continuou a haver lutas nos campos e greves nas empresas (como a impressionante greve da Fábrica dos Ingleses), afirmou-se o movimento pela paz, ganhou força a luta anti-colonial, irromperam as lutas dos estudantes universitários contra o Decreto 40900, realizou-se o 1.º Congresso Republicano, um esforço conseguido para manter a intervenção unitária. Acumulavam-se forças para a campanha de Arlindo Vicente/ Humberto Delgado, que abalou fortemente o regime e significou um novo ciclo da luta contra a ditadura.

Estrela que brilhava

Foi nestes anos 50, de temor e de terror, de negrume e de inquietação, mas também de coragem, de tenacidade, de heroísmo da resistência, que decorreu grande parte da acção na clandestinidade de Guilherme da Costa Carvalho. Entre os democratas do Porto, era alguém ausente mas sempre presente, uma estrela que brilhava.

Guilherme foi casado com a camarada Albertina Diogo, presa política durante seis anos e também ela cruelmente torturada, tendo tido dois filhos, com quem só pôde viver escassos meses.

Depois do 25 de Abril, a Câmara Municipal do Porto atribuiu o seu nome a uma das ruas centrais da cidade, o PCP deu o seu nome ao Centro de Trabalho sito na Rua Barão de S. Cosme.

Guilherme da Costa Carvalho foi um destacado militante e dirigente do Partido Comunista Português, um exemplo de coragem e incansável dedicação ao ideal e ao projecto comunistas, à luta de sempre do seu Partido pela democracia e o socialismo.

 

Gente generosa e progressista

Guilherme da Costa Carvalho pertencia a uma família abastada. Seu pai, Luís da Costa Carvalho, era um corretor da Bolsa. Virgínia Moura, amiga de sua mãe, D. Herculana, dizia o que então soava pela cidade: «tinha dinheiro para cobrir a rua de Sta. Catarina de notas de conto.» Mas o que Virgínia sublinhava é que ambos eram pessoas muito generosas e com ideias progressistas.

 

«Nobres princípios» que o fascismo reprimia

A despedida de Guilherme da Costa Carvalho, que em Setembro de 1949 partiu de Leixões, num vapor de carga, a caminho do Tarrafal, foi uma das grandes acções de massas daquele tempo, mal conhecidas e sem memória gráfica.

Há comunicados do Movimento Nacional Democrático e uma descrição viva e emocionante nas Memórias de um operário, de José da Silva. Com Guilherme na amurada e centenas de pessoas com lenços brancos ao longo do cais, D. Herculana, num acto destemido, proferiu estas palavras para a multidão: «O meu filho nunca deu o menor desgosto a seus pais, e era como um espelho da minha alma cristã quando dizia: “Mãe, é bom dar esmola aos pobres quando batem à nossa porta, mas melhor seria que eles não precisassem da nossa caridade, mas isso só será possível quando no nosso País se instaurar a verdadeira Democracia, que reconhecerá a todos o direito ao pão como uma obrigação social e não um favor da caridade.” Senhores! O meu filho vai deportado por defender estes princípios tão nobres, que todo o homem bom e generoso não pode deixar de professar.




Mais artigos de: PCP

Unidade e luta por direitos na Portway

A brutal ofensiva em curso contra o sector público de aviação recai também sobre os trabalhadores das várias empresas: na Portway verificam-se despedimentos e cortes em rendimentos e direitos. O PCP apela à unidade e à luta.

Na Quinta da Atalaia já se prepara a Festa

As jornadas de trabalho para implantação da Festa do Avante! de 2021 começam a 26 de Junho, mas muito está já a ser feito para assegurar que ela será – como sempre e cada vez mais – um espaço de cultura, alegria e tranquilidade.

Só o PCP podia fazer uma campanha assim

Está a proceder-se ao balanço final dos resultados da Campanha Nacional de Fundos O Futuro tem Partido, que nos últimos meses mobilizou (e mobiliza ainda) o colectivo partidário. Este é ainda o momento para garantir a concretização dos compromissos de contributo mensal que foram assumidos e...

Limbo para muitos, lucro para alguns

O PCP promoveu recentemente uma sessão pública dedicada à questão da transmissão de estabelecimento e o caso específico da vigilância. Estiveram presentes o especialista em Direito do Trabalho Fausto Leite, a deputada Diana Ferreira e Carlos Chaparro, membro do Comité Central do Partido. Em causa estão os «alçapões» à...