«Acima do pescoço, tenho tudo por conta do capital financeiro». A frase, dita numa conversa informal, suscitou um questionamento sobre o real sentido do que se queria ali dizer.

A explicação é simples. Para responder a problemas de saúde, relativamente à dentição, a dificuldades diversas de visão ou de audição, e para a aquisição de equipamentos e próteses indispensáveis para assegurar o mínimo de qualidade de vida, é preciso recorrer, invariavelmente, aos préstimos das financeiras de ocasião, sempre muito disponíveis, na sua infinita preocupação com a saúde do próximo, para acrescentar uns juros e comissões à sua própria saúde financeira.

É que um par de óculos, prótese dentária, um aparelho ou uma prótese auditiva, têm hoje custos incomportáveis para a maioria das famílias.

Centenas de euros para os óculos, milhares para as próteses, mesmo para os que dão nos anúncios de televisão, pagos em suaves prestações mensais. Sempre somas muito mais avultadas do que os parcos salários que se auferem.

Não é pouco habitual que a consequência disto seja que, durante meses, ou anos, aqueles a quem estes equipamentos fazem falta, continuem a usar os óculos que já não respondem às dificuldades crescentes de visão, continuem a não ser capazes de ouvir convenientemente o que se lhes diz, ou não procedam aos tratamentos que os dentes exigem, com as consequências que isso tem em toda a saúde.

E, portanto, quase sempre a única solução - ao arrepio dos princípios constitucionais que garantem, a todos, o direito à saúde e a um serviço público, de qualidade e tendencialmente gratuito - é o recurso aos empréstimos, que em muitos casos são facilitados nos balcões de atendimento das clínicas, autênticas extensões do capital financeiro.

Voltando à conversa informal, com que iniciámos esta prosa, compreende-se a expressão. O capital, que quer ser dono de tudo, não será dono das nossas cabeças. Mas até com os nossos dentes ganha. E isso também nos faz sentir uma raiva a crescer-nos nos dentes.