Nos escombros do templo
Para os que veem nos EUA o «templo da democracia» as coisas não correm de feição. Não que o desmoronamento esteja iminente, mas as rachas e infiltrações no «monumento» deixa-os em estado de alerta.
Compreende-se o rebuliço entre os guardiões. É grande o corropio que por ali grassa entre o convocar de arquitectos e outros artífices, o refazer de cálculos de engenharia, o desenterrar das plantas, esboços e desenhos da coisa. E, não menor, a azáfama entre os rotativos proprietários, republicanos e democratas, burros ou elefantes como gostam de se apresentar, vá lá saber-se porquê. O problema radica mais no feitio do que no defeito. Na verdade, edifício de democracia, templo ou não, com os alicerces fundados no poder invisível do complexo militar e industrial, num sistema eleitoral de acesso reservado a multimilionários ou aos seus procuradores, com uma representação eleitoral intermediada onde se pode ganhar perdendo ou perder ganhando, tem tudo para «dar de si». Se a consistência da obra já deixa por si muito a desejar, quando se lhe adiciona um uso menos polido é o que se vê.
No desdobrar em busca de explicações e de comportamentos desviantes que consome os aturdidos pelo assalto ao Capitólio, aconselha-se que reflictam. Reduzir o que se viu à turba violenta ou ao mero, ainda que inegável, incitamento de Trump é ter vistas curtas. A questão não é Trump mas sim o produto que ele representa. Reduzir tudo a um punhado de desordeiros, sem perceber porque é que para lá desse ínfimo universo há uma imensidão de americanos – medidos não só na sua eleição anterior mas nos quase 50% de eleitores que agora confirmou – que estão com Trump, as suas concepções e conduta, é puro estado de negação. Esgravatem, pois, nos recônditos do templo e encontrarão numa sociedade dilacerada por desigualdades e discriminações, baseada num exacerbado individualismo, alimentada na violência expressa na banalização do uso de armas, nas molduras penais e, sobretudo, na política externa norte-americana, resposta para o problema. Como agora mais uma vez, o anúncio de nomeação por Biden de alguém para Secretário da Defesa conhecido pelos seus crimes de guerra no Iraque, fará prova.