Não ficou tudo mal
Um jornal dia 5 de Janeiro de 2021, dizia, em chamada de capa, que «Só Porshe, Ferrari e Aston Martin vendem». Num outro, também na capa, afirmava-se que «Carros – Marcas de luxo resistem bem à crise».
Nem é preciso ver os conteúdos destas notícias para se perceber que, infelizmente, se confirma o que dissemos em devido tempo.
Quando nos tentaram vender a teoria de que estávamos todos no mesmo barco, que estávamos todos a sofrer por igual, que o vírus era muito democrático pois atingia todos sem excepção, e que, se aceitássemos as medidas que nos queriam impor, iria ficar tudo bem, houve quem dissesse que tal não era verdade.
Houve quem dissesse, não por nenhum espírito militante de contradição, mas por perceber que as consequências da epidemia, as económicas, as sociais, mas mesmo os impactos na saúde, seriam muito diferentes mediante as condições de cada um.
E houve quem alertasse, desde a primeira hora, que, por isso, era necessário tomar medidas dirigidas para proteger os mais vulneráveis, sejam os trabalhadores ou os idosos.
O que estas notícias vêm confirmar é que se não ficou tudo bem, também não ficou tudo mal.
Sabe-se agora que, a essas marcas de automóveis de luxo, não há bicho que lhes toque. Seguramente porque os seus clientes não estão no mesmo barco que os milhares de pequenos e médios empresários a braços com o encerramento das suas empresas e muito menos na mesma barcaça em que navegam à deriva milhões de trabalhadores que foram despedidos na sequência da epidemia.
Já muitas vezes dissemos que a eclosão da COVID-19 teve o condão não apenas de expor problemas estruturais de que padece a sociedade portuguesa, nas suas diversas dimensões, decorrentes de décadas de política de direita ao serviço do grande capital e dos grupos económicos e financeiros, mas também de pôr a nu a natureza injusta e predadora do capitalismo.
Num momento em que tantos gritam tantas dificuldades, ficamos a saber que, para alguns, este continua a ser, alegremente, um momento para bons negócios.