Enfiar o barrete!

João Frazão

O capital monopolista não deixa de nos surpreender pela inesgotável criatividade, mas também pela lata que revela.

Os trabalhadores das grandes superfícies estiveram, inquestionavelmente, na chamada linha da frente do combate aos efeitos da epidemia. Nunca pararam, mantiveram as lojas em funcionamento, repuseram mercadorias, atenderam os clientes, sujeitando-se, durante largo período, ao contacto directo com eles.

Enfrentaram os medos e as inseguranças, para manter o abastecimento a todos os que dele precisavam.

Adaptaram os seus horários aos das lojas, entrando mais cedo e saindo mais tarde, quando lhes foi solicitado.

Estiveram lá, quando foi preciso. Para assegurar, já se sabe, a troco de magros salários, a acumulação de riqueza na mão de obscuros e desconhecidos detentores das SGPS e dos conglomerados que detêm marcas e lojas e estratégias de negócio onde não entram, claro está, os operadores e os caixas e os repositores e todas as outras profissões sem as quais, afinal, não seria possível abrir as portas, à hora certa, de cada uma dessas catedrais do consumo.

Por estes dias, uma dessas grandes cadeias, com lojas por esse mundo fora, e face ao aproximar da quadra natalícia, resolveu presentear os seus trabalhadores.

Melhores salários? Nem por isso. Horários dignos? Não está nos planos. Contratos efectivos a quem ocupa um posto de trabalho permanente? Nada disso. Readmitir os trabalhadores despedidos durante estes meses terríveis, mesmo que fossem necessários ao funcionamento das lojas? Qual quê?

Para estes trabalhadores estava reservado coisa bem melhor. A empresa enviou-lhes, por correio, um chapéu de Pai Natal, para, com tal adereço, os trabalhadores animarem as tardes sombrias de quem faz compras. Tudo acompanhado, está bem de ver, por um sugestivo cartão de boas festas.

Seguramente, estes trabalhadores vão prosseguir a luta por melhores condições de trabalho. Podem usar o chapéu, mas não lhes enfiarão o barrete.




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