Para onde vai a França?

Albano Nunes

A deriva antidemocrática do governo de Macron não deve ser subestimada

Perante a violenta repressão com que o governo francês tem respondido às frequentes manifestações populares, nos últimos dias exigindo a revogação de uma lei que visa precisamente ocultar a violência policial proibindo a tomada de imagens da actuação das forças repressivas, a pergunta é inevitável.

Inevitável e inquietante. Estamos a falar de uma potência capitalista, que partilha com a Alemanha o comando do grande bloco imperialista que é a União Europeia, dispondo de poderosas Forças Armadas equipadas com a arma nuclear, lançada numa vasta ofensiva que, nomeadamente em África e no Médio Oriente, visa recuperar a influência perdida com o desmoronamento do seu império colonial.

E isto num quadro internacional que, na análise do XXI Congresso do PCP, está fundamentalmente marcado pelo aprofundamento da crise estrutural do capitalismo e pela agudização das suas insanáveis contradições e em que os sectores mais reaccionários e agressivos jogam cada vez mais no fascismo e na guerra para sufocar a resistência e a luta dos trabalhadores e dos povos e suster o declínio das grandes potências capitalistas no plano mundial.

Os perigos que a deriva antidemocrática do governo de Macron comporta não devem ser subestimados. Não pode perder-se de vista a trajectória política de Macron ao serviço do grande capital e nomeadamente o seu papel frontalmente hostil aos sindicatos enquanto ministro do anterior governo «socialista» e as poderosas lutas de então contra a sua gravíssima «Lei do Trabalho»; a violentíssima repressão dos Coletes Amarelos e o incumprimento de demagógicas promessas de diálogo; a sucessiva renovação do estado de emergência decretado em 2015 com as correspondentes limitações de liberdades fundamentais, a pretexto da ameaça terrorista.

Nem devemos esquecer a campanha de dimensão internacional que lançou Macron e branqueou a sua política reaccionária apresentada como alternativa democrática e mesmo de esquerda à extrema-direita protagonizada por Le Pen, avançando assim habilmente no caminho da normalização de políticas cada vez mais ostensivamente contrárias a liberdades e direitos fundamentais.

É este o perigo que paira sobre o mundo: o avanço paulatino do fascismo sob o disfarce de alternativas ao próprio fascismo. Um perigo que tem raízes históricas marcantes no caso da França onde heroicas lutas populares e revolucionárias – como na Comuna de Paris ou na Resistência ao ocupante nazi – se confrontaram com uma burguesia profundamente reaccionária capaz de feitos tão cruéis como a sangrenta vingança da Comuna, o terrorismo fascista da OAS na guerra da Argélia ou quando preferiu ilegalizar o Partido Comunista Francês e instaurar o regime colaboracionista de Vichy que resistir à invasão e ocupação nazi.

Confiamos em que os trabalhadores e o povo francês, com a sua corajosa luta frustrarão os mais perigosos projectos de exploração e opressão do grande capital. Mas o perigo fascista está aí. Forças fascistas manifestam-se já à luz do dia, como nos EUA, e a ideologia dominante está sistematicamente a promover, inclusivamente em Portugal, o branqueamento do fascismo e a banalização de forças de cariz fascista. É preciso dar-lhe firme combate.




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