Cinzas
É conhecida a produtividade literária de José Rodrigues dos Santos (JRS), o mesmo que há anos confessou que escrevia os livros que gostaria de ter lido. Os seus últimos títulos são O Mágico de Auschwitz e O Manuscrito de Birkenau, que marcam a sua adesão a uma tendência do momento: o romancear de aventuras e amores nos campos de extermínio do nazi-fascismo.
Criticado por, numa entrevista televisiva, ter levantado a ideia de que o recurso às câmaras de gás poderia ter sido movido por preocupações 'humanitárias', defendeu-se com aquele que afirma ser o «primeiro documento nazi existente a preconizar explicitamente o extermínio dos judeus», que o próprio terá consultado. Trata-se de uma carta de Julho de 1941 enviada por um oficial SS ao arquitecto da Solução Final, Adolf Eichman: «Existe este inverno o perigo de não se conseguir alimentar todos os judeus. Dever-se-ia considerar seriamente se não seria uma solução mais humana eliminar os judeus, designadamente os que não conseguem trabalhar, através de um agente de morte rápida. Seria melhor do que deixá-los morrer à fome.»
JRS finge não perceber que a sua revelação não só não prova absolutamente nada como oculta demasiado. Deixando às claras apenas uma visão idílica, e seguramente rentável do ponto de vista comercial, do massacre 'industrial' de 11 milhões de seres humanos – judeus, eslavos, ciganos, pessoas com deficiência, opositores políticos, sobretudo comunistas –, contando só os que morreram nos campos.
O jornalista britânico Alexander Werth, que acompanhou a ofensiva final soviética e entrou em Maidanek com o Exército Vermelho libertador, não observou aí qualquer vestígio dessa 'humanidade', mas apenas «enormes montes de cinza branca; olhando mais de perto, via-se que não era apenas cinza: no meio dela encontravam-se quantidades de ossos humanos, clavículas, falanges, pedaços de crânio e até um pequenino fémur, que só poderia ter pertencido a uma criança». Já o italiano Primo Levi, que sobreviveu a Auschwitz, no seu Se isto é um Homem,testemunha precisamente a destruição da humanidade dos prisioneiros: «uma condição humana mais miserável não existe.»
Pode bem ser mais agradável escrever – e ler – sobre a atracção dos dirigentes nazis pelo oculto ou sobre as piscinas e bordéis com que seriam premiados os presos 'bem comportados' (leia-se, os traidores e colaboracionistas). Mas seria mais útil demonstrar como a política racista e imperialista do nazi-fascismo serviu os monopólios alemães, que beneficiaram de milhões de escravos, 'espaço vital' e elevadíssimos lucros.
Entre eles estava a IG Farben Bayer, fornecedora do 'humanitário' gás Zyklon B.