Relembrar Bernardo Santareno é comemorar a sua vida e obra
HOMENAGEAR O PCP dinamizou no dia 19, no salão do Centro de Trabalho Vitória, em Lisboa, uma sessão pública comemorativa do centenário do nascimento de Bernardo Santareno, escritor, dramaturgo, profundamente ligado aos valores progressistas da democracia.
«A obra de Bernardo Santareno está viva, aguardando dias mais atentos e justos»
Evocar a vida e obra do médico António Martinho do Rosário, que se fez Bernardo Santareno – seu pseudónimo literário – foi um dos objectivos da sessão realizada pelos comunistas. Para além de ser um dos maiores vultos da dramaturgia e do neo-realismo português da segunda metade do século XX, Bernardo Santareno afirmou-se como uma figura de proa no combate pela liberdade e pela democracia em Portugal.
Alvo da censura e da proibição fascistas, o autor – cujo centenário do nascimento se celebrou no próprio dia 19 de Novembro –, na significativa obra que deixou como legado, visou sempre o alargamento da consciência social da sociedade portuguesa.
A liberdade de expressão e a quebra dos «grilhões» da censura que alcançaram o País com a Revolução de Abril, encontraram este vulto maior da cultura nacional no lugar onde sempre esteve: «ao lado daqueles que nunca abdicaram do seu lugar na luta pela liberdade, pela paz e pela democracia», como se afirmou na apresentação da sessão.
Na luta por uma sociedade mais justa
Para Jerónimo de Sousa, que encerrou a sessão, «o PCP não podia deixar de homenagear um dos mais pujantes e singulares dramaturgos portugueses da segunda metade do século XX». Somam-se 19 textos na sua obra dramática, na qual, alguns títulos «tocam o génio, como o reconhecem e evidenciam muitos dos seus pares e os críticos da literatura contemporânea».
Entre o público que o leu, o público que viu a representação das suas peças e os seus companheiros de luta por uma sociedade livre da exploração, Bernardo Santareno deixa as «saudades de um amigo, de um grande intelectual e também a determinação firme de continuarmos, como ele sempre fez ao longo da sua vida, a luta por uma sociedade mais justa, humana e fraterna», reconheceu o Secretário-geral.
O dramaturgo, também, desde muito cedo desenvolveu a sua ligação ao PCP, «trabalhando com muitos intelectuais comunistas, nomeadamente aqueles que mais directamente estavam envolvidos nas artes do teatro e da literatura», afirmou o dirigente, nomeando como exemplos «Fernanda Lapa, Rogério Paulo, António Rama, Mário Pereira, Urbano Tavares Rodrigues e Carlos Paredes».
«Bernardo Santareno foi um dos injustiçados do teatro em Portugal. Cabe-nos, no futuro, corrigir essa injustiça», concluiu.
«Crime de lesa cultura»
Domingos Lobo, poeta, escritor e militante comunista, realizou a outra intervenção daquele momento evocativo.
O escritor lembrou algumas das experiências que marcariam, não só, a vida de Bernardo Santareno, mas também uma grande parte das temáticas da sua obra literária: «Santareno esteve por duas campanhas, nos anos 1957 e 1958, como médico, a bordo dos navios da frota bacalhoeira David Melgueiro, Senhora do Mar e no navio-hospital Gil Eanes».
Para Domingos Lobo, essas experiências singulares, vividas entre os pescadores, resultaram em obras que se revelaram num autêntico «documento humano, admirável e único». Dessa inspiração temática também resultou uma das mais brilhantes peças produzidas por Bernardo Santareno: O Lugre.
Transportando a sua intervenção para o presente, Domingos Lobo lamentou que os teatros nacionais continuassem «alheios à genialidade» do autor ali comemorado e ao seu «imaginário que desce aos abismos das nossas mais extensas perplexidades», como afirmou.
«O Ministério da Cultura, alertado, pela comissão de Celebrações [do Centenário do Nascimento de Bernardo Santareno], para a necessidade de assinalar a efeméride e para a necessidade da reedição da sua obra poética, limitou-se a conceder um subsídio de cinco mil euros», lamentou também.
Antes de terminar, Domingos Lobo chamou a atenção para a estreia da transposição cénica da obra O Punho. Texto no qual, na opinião do autor comunista, «as posições sociais e políticas de Santareno melhor se expressam». Em cartaz pela Escola de Mulheres, esta foi também a última encenação de Fernanda Lapa.