Aconchegados
A chanceler Angela Merkel desautorizou, em Fevereiro, o acordo parlamentar com que o seu partido, a CDU, aliando-se à AfD (Alternativa para a Alemanha, de extrema-direita), viabilizou o governo de Thomas Kemmerich (FDP) na Turíngia.
«É preciso dizer que este é um acto imperdoável (...) rompeu com a convicção, minha e da CDU, de não aceitar a vitória de maiorias apoiadas pela AfD», disse na altura Merkel, que não só está longe de ser uma perigosa esquerdista como é insuspeita de simpatias à esquerda.
Nove meses depois, eis que Rui Rio, que parece dominar melhor o alemão do que os princípios que diz defender, vem invocar o exemplo da Turíngia para se gabar de, tal como Merkel fez em relação à AfD, ter impedido a entrada do Chega no governo dos Açores.
Rio, que gosta de se apresentar como um político sério, omite «apenas» um pormenor: na Turíngia, Kemmerich demitiu-se e o resultado da intervenção de Merkel foi a reedição de um executivo regional minoritário formado pelo partido mais votado, o Die Linke (esquerda), o SPD (social-democrata) e os Verdes.
Convenhamos que não bem é a mesma coisa.
Já a avalanche de justificações para o acordo com o Chega que Rio tem publicado no Twitter se assemelha cada vez mais à gestão Trump, que quanto mais isolado está da realidade mais clica para o ciberespaço. «De frouxo esquerdista, que até já concordou com o BE, passando por amigo do bloco central, esta semana estou fascista de perfil atlântico», escreveu por estes dias, acrescentando que «É este o nível e a seriedade do debate político em Portugal. É este o problema de qualquer moderado que se situe verdadeiramente ao centro». A sério? Rio fala de seriedade? O senhor que escreve na própria conta que «Com a Dra. Graça Freitas à frente do jornal, a comunicação do Expresso melhorava bastante ... e a da Covid também»?
Que dizer então de Morais Sarmento (MS), vice-presidente do PSD, quando reconhece que o Chega tem «posições xenófobas e racistas» mas não vê nada de mais no acordo dos Açores e admite mesmo idêntico cenário no continente?
O mesmo MS, recorda-se, que em Fevereiro dizia em entrevista a DN/TSF: «revejo-me tanto no Chega como me revejo no BE, porque são, na minha opinião, partidos de extrema-direita e de extrema-esquerda respectivamente», e advertia «Se o CDS quiser cair na asneira, na minha opinião, de fazer o campeonato do Chega, está sempre a perder, porque o Chega dobra a parada, diga ele o que disser o Chega diz a dobrar».
Na altura, MS considerava estarmos «num momento em que o País se está a habituar a isso que não tinha, que é uma voz de extrema-direita». Habituou-se depressa, o PSD.
Quanto ao CDS, faz-se de morto na bancada. Todos bem aconchegados.