Defender os interesses do povo e do País - afirmar a soberania e a independência nacional

Pedro Guerreiro (Membro do Secretariado)

Sob a pressão dos efeitos eco­nó­micos e so­ciais do surto de COVID-19, no con­texto de uma crise que já se anun­ciava ao nível da União Eu­ro­peia, e par­tindo da bi­tola pre­vi­a­mente de­ter­mi­nada pela Ale­manha e a França, o Con­selho Eu­ropeu chegou a um acordo quanto ao Quadro Fi­nan­ceiro Plu­ri­a­nual – o or­ça­mento – da UE, para o pe­ríodo de 2021 a 2027, e ao de­no­mi­nado fundo de re­cu­pe­ração, apon­tado como ins­tru­mento que pre­tende dar res­posta aos efeitos do surto.

Por­tugal ne­ces­sita de se li­bertar dos cons­tran­gi­mentos que li­mitam e con­di­ci­onam o seu de­sen­vol­vi­mento

O de­bate co­locou em evi­dência as con­tra­di­ções que per­correm a UE e a ine­xis­tência de uma qual­quer so­li­da­ri­e­dade ou in­tenção de as­se­gurar uma efec­tiva con­ver­gência eco­nó­mica e so­cial, que con­trarie, nem que mi­ni­ma­mente, o au­mento das de­si­gual­dades so­ciais e das di­ver­gên­cias eco­nó­micas entre países, in­trín­secas ao pro­cesso de in­te­gração ca­pi­ta­lista, de­ter­mi­nado pelos in­te­resses das grandes po­tên­cias e dos seus grupos eco­nó­micos e fi­nan­ceiros.

Como tem sido sa­li­en­tado pelo PCP, para além da in­su­fi­ci­ência do mon­tante fi­nan­ceiro global adop­tado face aos ob­jec­tivos enun­ci­ados, as verbas no âm­bito do fundo de re­cu­pe­ração tra­duzem-se, não só num ainda maior en­di­vi­da­mento de Es­tados, como Por­tugal, como no adi­an­ta­mento de verbas que de­verão ser de­vol­vidas ul­te­ri­or­mente pelos países, seja sob a forma de pa­ga­mento de em­prés­timos, seja pela even­tual re­dução no fu­turo de trans­fe­rên­cias do or­ça­mento da UE.

O acordo do Con­selho Eu­ropeu acar­reta ainda ou­tras con­di­ções des­fa­vo­rá­veis para países como Por­tugal, como a im­po­sição de con­di­ci­o­na­lismos à mo­bi­li­zação e uti­li­zação destes meios fi­nan­ceiros, in­se­ridos nos me­ca­nismos de con­trolo e in­tro­missão da UE – no­me­a­da­mente no quadro do Euro – em de­ci­sões que com­petem so­be­ra­na­mente a cada Es­tados. São disso exemplo, a exi­gência do cum­pri­mento por países do quadro e das ori­en­ta­ções macro-eco­nó­micas de­ter­mi­nadas no âm­bito da UE e do euro; a de­fi­nição de pri­o­ri­dades e âm­bitos para a uti­li­zação de verbas, não a partir da re­a­li­dade e das ne­ces­si­dades es­pe­cí­ficas de cada país, mas em função dos in­te­resses das grandes po­tên­cias e dos seus grupos mo­no­po­listas; ou o con­di­ci­o­na­mento da mo­bi­li­zação e da uti­li­zação das verbas ao cum­pri­mento de de­no­mi­nadas re­formas que, como já se de­bate pu­bli­ca­mente em al­guns países, sig­ni­fi­caria, por exemplo, a con­ti­nu­ação e agra­va­mento dos ata­ques aos di­reitos la­bo­rais e aos sis­temas pú­blicos de se­gu­rança so­cial.

A uti­li­zação dos meios fi­nan­ceiros dis­po­ni­bi­li­zados para Por­tugal – que au­mentam cir­cuns­tan­ci­al­mente, apesar de forma in­su­fi­ci­ente – de­verá con­tri­buir para uma efec­tiva res­posta aos pro­blemas e às ne­ces­si­dades do povo por­tu­guês e do País, para a va­lo­ri­zação do tra­balho e dos tra­ba­lha­dores, para a de­fesa e pro­moção da pro­dução na­ci­onal, para a re­cu­pe­ração para o sector pú­blico dos sec­tores bá­sicos e es­tra­té­gicos da eco­nomia, para a ga­rantia de uma ad­mi­nis­tração e ser­viços pú­blicos ao ser­viço do povo e do País, para o de­sen­vol­vi­mento so­be­rano de Por­tugal – tal sig­ni­fica a re­jeição de toda e qual­quer forma de con­di­ci­o­na­li­dade po­lí­tica e eco­nó­mica por parte da UE.

A re­a­li­dade de­monstra que Por­tugal ne­ces­sita de se li­bertar dos cons­tran­gi­mentos que li­mitam e con­di­ci­onam o seu de­sen­vol­vi­mento sócio-eco­nó­mico, o que exige a re­cu­pe­ração de ins­tru­mentos de so­be­rania, no­me­a­da­mente no plano eco­nó­mico e mo­ne­tário. Só a afir­mação de uma po­lí­tica so­be­rana, que faça pre­va­lecer os in­te­resses dos tra­ba­lha­dores e do povo por­tu­guês sobre as im­po­si­ções e cons­tran­gi­mentos que emanam da UE, pode res­ponder ade­qua­da­mente às ne­ces­si­dades com que o País se con­fronta.




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