A hegemonia
Manuel passou 23 anos nas prisões do fascismo, dez dos quais no Campo de Concentração do Tarrafal, o mesmo onde Francisco esteve só, à espera de ser deportado para o continente. Ao campo da morte lenta chegou Sérgio já depois de ter cumprido a totalidade da pena à qual o tribunal o tinha condenado e de lá saíram Alberto e Pedro com a saúde arrasada devido às agressões e castigos constantes e aos trabalhos forçados.
Ali mesmo morreram Bento e Alfredo, gravemente doentes e sem qualquer assistência digna desse nome, pois o médico – dizia o próprio – não se encontrava ali para tratar, mas para «passar certidões de óbito». E passou várias. Não muito diferente foi o lento e cruel assassinato de Militão na Penitenciária de Lisboa. «Tenho sofrido o que um ser humano pode sofrer», escreveu com o seu próprio sangue, numa carta dirigida aos seus camaradas. Quando o viu, agonizante, o sobrinho lembrou-se dos internados nos campos de concentração nazis, só com «pele e osso». Pesava 35 quilos.
José foi espancado até à morte na sede da PIDE por se recusar a denunciar e o seu cadáver lançado do terceiro andar da sede da PIDE, em Lisboa, num mal encenado suicídio. Já António, Alfredo, Catarina, José, Cândidoe Estêvão foram pura e simplesmente assassinados a tiro. Sem detenção, processo ou julgamento.
Álvaro esteve oito anos em rigoroso isolamento, sem ver ninguém para além dos carcereiros, e José até dos indispensáveis óculos foi privado. Na tortura, Octávio foi impedido de dormir ininterruptamente durante 11 dias e 11 noites e a sua companheira, Albina, partilhou a cela com o filho pequeno. Virgínia foi presa 15 vezes e Conceição espancada e deixada despida perante os esbirros. António não pôde sair da prisão para comparecer no funeral do filho e Laura e Margarida, como tantas outras, não viram crescer os seus. Mariana, Noémia e Faustina quase não brincaram com outras crianças para não porem em risco a actividade clandestina e a própria liberdade dos pais.
Estes são apenas alguns – poucos, muito poucos – episódios da corajosa e permanente resistência dos comunistas e do seu Partido durante os 48 anos de fascismo em Portugal, que alguns pretendem uma vez mais desvalorizar, recorrendo agora ao argumento de que outros também resistiram. Da parte do PCP, nunca se reclamou qualquer hegemonia da oposição ao fascismo. Pelo contrário, sempre se procurou unir amplos sectores políticos e sociais no decisivo combate pela liberdade e a democracia.
Mas o que não é tolerável é que alguns, em nome de uma suposta pluralidade, apaguem ou obscureçam quem mais decisivamente contribuiu para que Abril acontecesse.