Como ignorar?
O Governo divulgou aquilo que designou de Visão Estratégica para o plano de recuperação Económica de Portugal 2020-2030. Um documento «de autor», desligado de quaisquer estruturas de planeamento de políticas públicas que, em bom rigor, deveriam existir no nosso País. Não se questionam algumas das suas óbvias constatações, muitas delas convergentes com os alertas que o PCP foi fazendo ao longo dos anos, seja sobre a necessidade de dinamizar a produção nacional e o aproveitamento dos recursos endógenos, seja sobre a necessidade de investimento nos transportes ou da defesa do meio ambiente. O mesmo, sobre muitos dos projectos e investimentos apontados que, na maioria dos casos, a sua concretização tem sido sucessivamente metida na gaveta.
Mas o que é notável no referido documento, sobretudo quando este tem a pretensão de apontar a «recuperação económica» para a próxima década, é a clara opção de não questionar aspectos centrais da política de direita. Como é que se pode ignorar, como faz o documento, a realidade do mundo do trabalho, dos baixos salários e desrespeito pelos direitos dos trabalhadores, sem os assumir como objectivo e condição de desenvolvimento? Como é que se pode olhar para a próxima década sem pôr em causa as imposições do euro e os impactos da submissão a uma moeda desfasada da nossa economia. Como é que se pode projectar a recuperação económica à margem do domínio cada vez maior dos sectores básicos e estratégicos a partir do capital estrangeiro? Como é que se pode apontar um caminho de desenvolvimento, sem questionar uma dívida pública que é uma das maiores do mundo e que consome anualmente cerca de 7 mil milhões de euros?
Ao não questionar aspectos centrais da política de direita, ao não extrair conclusões sobre as decisões anteriormente tomadas e as responsabilidades políticas subjacentes, o que na verdade se quer, é dar continuidade a essa mesma política, porventura com novas roupagens, mas servindo os mesmos interesses e produzindo os mesmos resultados que trouxeram o País à situação em que se encontra.