A demagogia no Arrendamento Urbano

Manuel Gouveia

Os tra­ba­lha­dores e sua fa­mí­lias, bem como os re­for­mados e pen­si­o­nistas sem pro­pri­e­dade, ti­nham um pro­blema gi­gan­tesco em Lisboa: es­tavam a ser es­cor­ra­çados da Ci­dade, sob o efeito em tenaz da lei das rendas do PSD/​CDS (que o PS nunca quis rever) e das po­lí­ticas de pro­moção da mo­no­cul­tura do tu­rismo da co­li­gação PS/​BE na Câ­mara Mu­ni­cipal de Lisboa.

Pe­rante o en­grossar do pro­blema, ou­viram-se al­gumas pi­e­dosas pa­la­vras, foram anun­ci­ados pro­gramas cos­mé­ticos que nada re­sol­veram e nada que­riam re­solver. Mas nada se fez para travar a es­pe­cu­lação e pro­teger os ar­ren­da­tá­rios do «fun­ci­o­na­mento do mer­cado».

En­tre­tanto, veio a pan­demia, e esta pro­vocou uma outra crise no ar­ren­da­mento, uma crise que afecta os pro­pri­e­tá­rios e os es­pe­cu­la­dores. Com o alo­ja­mento local com taxas de ocu­pação in­fe­ri­ores a 5%, com os ho­téis pra­ti­ca­mente va­zios, a crise toca uma outra classe. Afecta evi­den­te­mente al­guns pe­quenos pro­pri­e­tá­rios, que apro­vei­taram os preços es­pe­cu­la­tivos para vi­verem dessas rendas. Mas prin­ci­pal­mente afecta os grandes es­pe­cu­la­dores e seus fundos, com mi­lhares de mi­lhões co­lo­cados na es­pe­cu­lação, e ameaça a banca pri­vada e seus ca­pi­ta­listas es­tran­geiros, com mi­lhares de mi­lhões em­pres­tados com avais que des­va­lo­rizam todos os dias «no mer­cado».

É para salvar estes úl­timos que Fer­nando Me­dina e An­tónio Costa se pre­param para li­bertar mi­lhões pú­blicos para dar a mão a estes ca­pi­ta­listas em di­fi­cul­dades. Fa­zendo-o, claro, em nome dos tra­ba­lha­dores e re­for­mados afas­tados da ci­dade, ou como dizia o Me­dina com toda a lata do mundo, em nome dos tra­ba­lha­dores dos «ser­viços es­sen­ciais». Fa­zendo-o em nome da­queles cujos pro­blemas ig­no­raram até os ca­pi­ta­listas e os es­pe­cu­la­dores terem um pro­blema que pre­ci­savam que o Es­tado re­sol­vesse.




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