Fantoches

Gustavo Carneiro

É um filho da mãe, mas é o nosso filho da mãe. A frase é atribuída ao 32.º presidente norte-americano, Franklin D. Roosevelt, em referência a Anastasio Somoza ou Rafael Trujillo (os registos não são claros a este respeito), que na Nicarágua ou na República Dominicana salvaguardavam os interesses imperialistas à custa da submissão económica dos seus países e da miséria, obscurantismo e repressão dos seus povos.

De Somoza diz-se que a única qualidade era precisamente a disposição que desde cedo manifestou para ser um fantoche dos EUA, a quem serviu com esmerado zelo. Do seu currículo constam mil e uma conspirações e o assassinato do general Sandino, figura maior da resistência anti-imperialista na América Latina.

Outros houve, em diversas latitudes, que se prestaram ao mesmíssimo papel, perpetrando brutais crimes e cometendo todo o tipo de traições para servir os seus senhores. A lista é extensa e dela fazem parte, entre muitos outros, Augusto Pinochet, Jorge Videla, Ngo Dinh Diem, Singman Rhee, Mobutu Sesse Seko. Esta prática, milenar, revelou-se tão vantajosa que o imperialismo a implementa sempre que pode, com novas caras e renovadas aparências, mas sempre com os mesmos propósitos.

Juan Guaidó é um destes fantoches contemporâneos. Há pouco mais de um ano e meio, passou de um completo desconhecido (até no seu próprio país) a presidente autoproclamado e ponta de lança da ofensiva imperialista contra a Venezuela. O objectivo principal desta encenação, o derrube do governo bolivariano, falhou, mas Guaidó assume-se como peão de uma operação mais vasta, de esbulho de recursos venezuelanos: recentemente, o Supremo Tribunal Britânico negou o acesso da Venezuela às reservas de ouro depositadas no Banco de Inglaterra, que seriam aplicadas na compra de medicamentos, colocando-as à disposição de Juan Guaidó. Ou, melhor dizendo, dos que o fabricaram e dirigem os seus movimentos.

A outra das suas notórias marionetas, Hashim Thaci, o imperialismo «­ofereceu» um Estado, o Kosovo, roubado à Sérvia, que hoje alberga uma das maiores bases militares dos EUA fora do país. Por mais que, durante a agressão da NATO à Jugoslávia e para lá dela, os media ocidentais tentassem mostrar Thaci como um herói romântico, nunca conseguiram esconder totalmente a sua verdadeira face de criminoso, confirmada agora por um tribunal internacional, que o acusa de crimes de guerra e contra a Humanidade. Pelo menos desde o início da década que há evidências do envolvimento dos principais responsáveis do Exército de Libertação do Kosovo (UÇK) no tráfico de órgãos humanos, retirados a prisioneiros sérvios.

São desta natureza os fantoches do imperialismo. Combatê-los é fundamental, mas insuficiente. É preciso ir mais longe, revelando os seus títeres e, sobretudo, derrotá-los.




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