Voz do dono
A fúria mediática que se levantou contra a cerimónia do 25 de Abril no Parlamento cresceu com a realização do 1.º de Maio da CGTP-IN. Uns, mais à direita, desejavam que não acontecesse. Outros, do Presidente da República a alguns ditos de esquerda, procuraram remetê-la para o campo do simbólico. Na verdade, foi um extraordinário exemplo da capacidade de organização e acção dos trabalhadores portugueses. Vale sempre a pena lembrar que se a ofensiva aos direitos dos trabalhadores não está de quarentena, a sua luta também não pode estar.
Nos últimos dois meses, as notícias dos ataques a direitos que, à boleia da epidemia, têm marcado a vida de mais de um milhão de trabalhadores, passaram apenas uma ínfima parte da realidade que se vive nos locais de trabalho. Agora, os mesmos órgãos de comunicação social lançaram-se à acção de luta do 1.º de Maio. Os comentários mais trauliteiros, com um nítido ódio de classe, vão buscar os mais variados argumentos, todos eles com pés de barro: que violou normas do estado de emergência (quando o próprio decreto já previa a iniciativa), que foi uma irresponsabilidade (quando todas as imagens mostram que os cuidados sanitários foram mesmo além dos prescritos pelas autoridades de saúde), ou que foi um mau exemplo (dito pelas mesmas bocas que não tiveram uma palavra para as centenas de milhares de trabalhadores vítimas da selvajaria do capital).
Os ataques mais refinados, no geral partindo dos mesmos que defendiam uma cerimónia simbólica, juntaram ainda o argumento do excesso, nalguns casos promovendo mesmo iniciativas paralelas (o que, diga-se, não é novo). O tom elogioso com que a comunicação social dominante tratou estas últimas iniciativas contrasta com as críticas intempestivas aos trabalhadores, à CGTP-IN e ao PCP.
Os meios da Impresa (SIC e Expresso, da família Balsemão) assumiram a dianteira. As peças do 1.º de Maio em Lisboa do Jornal da Noite desse dia são bastante evidentes, repletas de insinuações sobre incumprimentos de normas que as suas próprias imagens desmentiram. Depois, a rábula em torno da presença do Secretário-geral do PCP inventou um dever de confinamento obrigatório para maiores de 60 anos. Uma abordagem contrastante com a forma como trataram as mensagens de outros dirigentes partidários, cujas peças reflectiram o que de facto disseram.
Interessante é também olhar para a evolução do tratamento que o Expresso deu ao 1.º de Maio. Na edição impressa desse dia, em que dava notícia com exactidão do que se ia passar, não é posta em causa a forma como iria decorrer a iniciativa – até dá nota da estreita articulação com as autoridades sanitárias, policiais e mesmo com o Presidente da República (que dias depois, vendo a polémica lançada, alegou que tinha «no seu espírito» um outro modelo de iniciativa). Poucos dias depois, recuperando velhas teses que visam estigmatizar o movimento sindical e pôr em causa o seu carácter unitário, o Expresso intitulava uma das suas newsletter diárias «CGTP, a correia de transmissão de um sinal errado». Assim se cria um epifenómeno mediático.