Não, não há tréguas

Albano Nunes

O combate ao surto não se faz abdicando de direitos e liberdades

Ao contrário do que pretendem certas linhas da ideologia dominante, o combate ao surto de COVID-19 não se faz abdicando de direitos e liberdades fundamentais, nem põe entre parênteses a luta de classes. Isto é verdade tanto no plano nacional (nomeadamente com a vaga de despedimentos que o PCP não se cansa de denunciar), como no plano internacional. Convicto de que «as crises são também oportunidades», o imperialismo, incapaz de reunir meios para ocorrer a grandes calamidades naturais, continua (o SG da NATO confirmou-o com arrogância) a despender colossais somas para alimentar a indústria militar e as guerras de agressão.

Num tempo em que se trava um inédito combate pela vida humana e em que se impunha o reforço da cooperação e da solidariedade internacional – solidariedade em que a China e Cuba têm sido exemplares, confirmando a superioridade dos seus sistemas sociais – as grandes potências capitalistas não só dão provas do mais desumano egoísmo como reforçam a sua política de sanções e bloqueios que tanto sofrimento têm espalhado por esse mundo fora. Isso mesmo é denunciado em carta enviada por oito países (RP da China, Cuba, RPD da Coreia, Irão, Nicarágua, Rússia, Síria e Venezuela) ao SG da ONU colocando-lhe que «solicite o levantamento total e imediato dessas medidas ilegais, coercitivas e arbitrárias de pressão económica». Enquanto o FMI negava um empréstimo de emergência humanitária ao Irão, Mike Pompeo anunciava novo pacote de sanções a este país. E, em 26 de Março, os EUA, derrotados em sucessivas operações para desestabilizar e derrubar o governo legítimo da Venezuela, lançavam-se numa nova e odiosa provocação associando Nicolás Maduro e outros dirigentes ao tráfico de droga.

As implicações económicas e sociais do surto epidémico está a revelar-se muito grande. Num quadro de grandes incertezas, as diferentes projecções apontam para um abalo mais profundo que o da crise iniciada em 2008. Para o enfrentar e conduzir a luta para que não sejam uma vez mais os trabalhadores a pagar os custos de uma inevitável recessão mundial, é importante ter presente que, no contexto do aprofundamento da crise estrutural do capitalismo, estava já em desenvolvimento o pico de crise que a pandemia veio precipitar e agravar. Dois exemplos. Nos EUA, onde economistas como Stiglitz há muito denunciavam a propaganda de Trump sobre a saúde da economia, vê-se disparar em mais de 3,3 milhões o número de desempregados em apenas uma semana. Na União Europeia, onde as nuvens de recessão já pairavam sobre a Alemanha, o vergonhoso espectáculo do «cada um por si» é uma clara confirmação da pré-existente «crise na e da UE» que o PCP há muito apontou, crise que leva mesmo os mais furiosos e dogmáticos «europeístas» a temer o seu estilhaçamento.

Não, no combate ao surto de Covid-19 não estamos todos com as mesmas posições. A luta de classes pode assumir novas formas mas não desapareceu. A natureza exploradora, desumana e parasitária do capitalismo tornou-se ainda mais evidente e a luta em defesa dos que menos podem e menos têm não conhece tréguas.



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