O trabalho
Os media estão cheios das duas crises: a causada pela pandemia e a crise económica que esta acelera. Tem sido sublinhada a aparente cambalhota de muitos neoliberais: de repente o «mercado» não resolve tudo; o «Estado» (o dito «social», porque com outras funções do Estado nunca se sentiram mal) tem de se chegar à frente; as “nacionalizações” podem fazer sentido (transitoriamente, para socializar prejuízos).
O que não muda é a busca capitalista da maximização do lucro, que deslocou a prioridade da economia real para a especulação, nomeadamente a bolsista. Se há sectores inteiros a caminho do colapso, a indústria farmacêutica esfrega as mãos. Um alerta recente (https://www.the-scientist.com/news-opinion/opinion-stop-private-speculation-in-covid-19-research-67309) apontava que «há empresas privadas que todos os dias anunciam a iminência de descoberta da vacina e que dessa forma vêem explodir o valor das suas acções. Há outras empresas que dispõem já de conhecimento que seria útil no combate à pandemia, mas estão à espera de o disponibilizar a quem dê mais». O capital lucra sobre a hecatombe.
Outra coisa também não muda, e está agora tão visível que bastará apenas dar-lhe nome. O problema económico real é o da suspensão massiva do trabalho humano, criador de toda a riqueza. O que Marx descreve em O Capital como «[…] dom natural da força de trabalho actuante, do trabalho vivo, conservar valor ao acrescentar valor, um dom natural que nada custa ao operário, mas que muito traz ao capitalista […]». A pandemia deu um novo destaque à centralidade do trabalho na sociedade humana. O trabalho de todos os que combatem a doença e mantêm o nível de sobrevivência da actividade social. O trabalho de todos os que produzem, sem o qual não haverá saída. De preferência, sem a especulação nem o capital.