Mulheres a uma só voz pela igualdade
LISBOA Muitos milhares de mulheres, e homens, vindos de Norte a Sul do País, convergiram para Lisboa, no domingo, 8 de Março, transportando consigo reivindicações que são denominadores comuns da luta pela igualdade na vida: trabalho com direitos, igualdade salarial, valorização dos salários, pelo direito a serem mães sem discriminações, de combate a todas as formas de violência.
O Movimento Democrático de Mulheres (MDM) anunciou que em 2021 o Dia Internacional da Mulher será comemorado com a realização da Manifestação Nacional de Mulheres no Porto, no dia 7 de Março, e em Lisboa, no dia 13 de Março.
«As mulheres lutam, todos os dias, por direitos»
«Cambia lo superficial, cambia también lo profundo, cambia el modo de pensar, cambia todo en este mundo». Os versos são da canção «Todo Cambia», um poema do chileno Julio Numhauser, popularizado pela argentina Mercedes Sosa. A música ecoava pela Baixa lisboeta chamando, cada vez mais gente para o ponto de encontro de uma das maiores manifestações de mulheres ali realizadas.
Nos Restauradores – bem antes da hora marcada – as manifestantes, de todos os distritos do País, «desenrolarem» as suas reivindicações, ligadas aos problemas e à exigência de soluções para ultrapassar as condicionantes económicas, sociais e políticas que estão na origem das desigualdades, discriminações e violências que afectam as mulheres.
O arranque da jornada aconteceu ao som dos bombos e percussões dos Karma Drums. Logo a seguir, numa enorme faixa, afirmava-se o lema da Manifestação Nacional de Mulheres: «A força da unidade em defesa dos direitos das mulheres e pela paz no mundo!», que, em direcção à Praça Dom Pedro V, mais conhecida por Rossio, era acompanhada por palavras de ordem que reclamavam «igualdade na vida» e «aumento dos salários». «Só se avança de verdade com direitos e igualdade!», «Prostituição é violência. É exploração», «A luta continua. As mulheres estão na rua!» e «Pelo sonho é que vamos: Lutamos! Lutamos! Lutamos», foram palavras saídas de megafones, repetidos com garra, determinação e persistência.
Igualdade na vida
Surgiram, de seguida, as genuínas aspirações dos jovens que não abdicam de construir a igualdade na vida e exigem «igualdade na escola, no trabalho e na vida», bem como «Educação pública, gratuita e de qualidade». Os alunos da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e de Medicina Veterinária juntaram-se à comitiva.
O desfile avançou pela Rua do Ouro, com a Comissão para a Igualdade entre Mulheres e Homens/CGTP-IN, logo seguida das mulheres do Porto, que lutam por «condições de igualdade e desenvolvimento» no trabalho e dizem «Não» à «discriminação salarial». A «negro» sublinharam que a «Prostituição é violência, não é trabalho» e que a «violência doméstica é flagelo social».
Também as mulheres que vivem em regiões desertificadas, com falta de jovens e de investimento no aparelho produtivo, marcaram presença, como as que vieram de Bragança, pelo «direito a trabalhar e a ser mãe».
Logo a seguir à faixa do PCP, que acentua a necessidade de «Combater as injustiças. Exercer direitos. Cumprir a igualdade na vida», seguiu-se a Associação das Mulheres Agricultoras e Rurais Portuguesas, filiada na Confederação Nacional da Agricultura, que distribuiu sementes de grão de bico e de feijão frade aos participantes, uma forma de promover e defender a produção nacional baseada na soberania nacional. Reivindicaram o reconhecimento do papel da mulher agricultora e rural no Estatuto da Agricultura Familiar.
«Unidas contra a violência no trabalho» estiveram, simultaneamente, as mulheres do distrito de Aveiro, mas também muitas daquelas – cerca de 200, de diversas áreas de intervenção social, cultural, política e desportiva – que, dias antes, manifestaram o seu apoio público à Manifestação Nacional de Mulheres. Os seus testemunhos podem ser consultados na página de Facebook do MDM.
Com a luta
No cruzamento da Rua Áurea com a Rua de São Nicolau encontrava-se uma delegação do PCP, composta pelo Secretário-geral, Jerónimo de Sousa, Manuela Pinto Ângelo, Rui Braga, do Secretariado, Fernanda Mateus, Patrícia Machado, Armindo Miranda, da Comissão Política, e Diana Ferreira, deputada na Assembleia da República.
No local, o Secretário-geral do PCP lamentou o facto de prevalecerem «injustiças e desigualdades», em relação à mulher, «no trabalho, na família e na sociedade». «O grau de participação nesta manifestação demonstra que as mulheres não estão desmotivadas, pelo contrário, lutam, todos os dias, por direitos», salientou Jerónimo de Sousa, frisando: «Esta é uma resposta clara de quem se sente, justamente, injustiçado no trabalho e na vida. Aqui está um grande grito, em uníssono, de mulheres que querem esse acesso à igualdade, particularmente nos direitos.»
Além do PCP, estiveram presentes delegações do Partido Ecologista «Os Verdes» e da CGTP-IN. Isabel Camarinha, Secretária-geral da Intersindical, considerou que é «inaceitável» a diferença entre salários de homens e de mulheres, defendendo que «há um longo caminho a percorrer» em relação às desigualdades salariais.
# As mulheres têm, em média, salários base 14,5 por cento mais baixos do que os homens;
# O trabalho precário atinge sobretudo os mais jovens e as mulheres: 40 por cento dos menores de 35 anos têm vínculos precários e mais de metade são mulheres;
# Em Abril de 2019, cerca de 31 por cento das mulheres recebiam o salário mínimo nacional, face a 21 por cento dos homens;
# Quando são comparados os ganhos mensais, e não apenas o salário base, a diferença global de rendimentos entre homens e mulheres sobre para 17,8 por cento;
# A diferença salarial entre homens e mulheres é maior nas empresas privadas (22,5 por cento), o que nas empresas públicas (13 por cento).
Reivindicações de Norte a Sul do País
Descendo em direcção ao Rio Tejo, na Praça do Comércio, um enorme talego – bolsa confeccionada com restos de tecidos, onde os trabalhadores agrícolas transportavam a merenda – dava conta da presença das mulheres do Sul do Alentejo, muitas vestidas com trajes tradicionais, que continuam a lutar por «trabalho com direitos, condição de igualdade, progresso e desenvolvimento do País».
No Norte Alentejano também se reclama o «Direito a viver e a trabalhar», com Portalegre, distrito com um dos mais baixos índices de natalidade, a desfilar com carrinhos de bebé vazios. «Mais natalidade só com emprego de qualidade», foi a mensagem deixada.
Do Litoral Alentejano chegou a necessidade de mais e melhores transportes e de uma Escola Pública de qualidade. «Lutamos pela igualdade para a tornar realidade», disseram, de seguida, as mulheres do distrito de Setúbal, «solidárias com as mulheres do mundo inteiro» pelos seus direitos e pela paz, uma componente fundamental do MDM. A participação, também, das mulheres brasileiras, angolanas, moçambicanas, entre outras nacionalidades, fez-se notar pela alegria que acrescentaram ao movimento. A opção do Governo pelo aeroporto no Montijo foi, muitas vezes, contestada.
Grito de alerta
Do Algarve, onde o som de um violino entrosava-se com os desejos do povo, chegou a urgência de «Trabalho efectivo. Desenvolvimento. Direito ao futuro». Apresentaram-se com chapéu e cestas de palha, mas também com a certeza de que o «Capitalismo não defende os direitos das mulheres que explora e oprime». Por isso aquele «grito» de alerta: A região do Algarve não pode estar apenas virada para o sector do turismo. É fundamental investir nas actividades produtivas, nas pescas, na agricultura e na indústria.
Já a caminho da Ribeira das Naus, onde se ia juntando um mar de gente, seguiram-se as mulheres dos distritos de Santarém, por «Trabalho com direitos e tempo para si»; de Castelo Branco, por creches e abonos; da Guarda, por melhores serviços públicos, de Coimbra, envergando vasos com papoilas rubras, pela construção da Maternidade dos Covões; e de Lisboa, com uma mensagem forte: «Os proxenetas não marcham ao nosso lado. Prostituição é violência».
Voz como arma
Durante o percurso, destaque para o tributo que foi feito às mulheres que usaram a canção como forma de intervenção, o modo como o hino do MDM «Unidas levaremos mais longe a voz» foi cantado ao longo do desfile, o assinalar dos 110 anos da proclamação do Dia Internacional da Mulher por Clara Zetkin e os 70 anos da publicação do último fascículo de «Mulheres do meu País», de Maria Lamas, presidente honorária deste movimento.
Esta foi, simultaneamente, uma acção para lembrar que todos têm direito à fruição e criação cultural, bem como o dever de preservar, defender e valorizar o património cultural.
Unir forças e vontades por um futuro de progresso
«Que alegria e que força tem esta grande manifestação», sentiu Isabel Cruz, do Secretariado Nacional do MDM, contemplando aquela massa de gente, que ia chegando à Ribeira das Naus e formando uma «moldura» única e impressionante.
«Pelo quarto ano consecutivo, a Manifestação Nacional de Mulheres traz para a rua os problemas e as respostas que são necessárias, neste tempo que é nosso», afirmou, apresentando as reivindicações que, neste ano, ali estiveram presentes, como «trabalho com direitos e o direito de ser mãe e trabalhadora, sem penalizações» e «sem precariedade», ou a exigência de que «a prostituição seja reconhecida como exploração e uma grave violência».
Citando Maria Lamas, a dirigente do MDM lembrou que «só a luta organizada das mulheres pode levar a cabo o muito que ainda há a fazer para que a igualdade na vida seja uma realidade», sendo aquela manifestação «expressão vida desta vontade».
Saudação às mulheres
Antes foi aprovada uma saudação «À luta das mulheres em Portugal e no mundo pelos seus direitos e pela paz». No texto valorizam-se as portuguesas que «lutam pela melhoria das suas condições de vida, por direitos próprios, pela igualdade na vida, luta que é indissociável da construção de um país que promova a justiça, progresso social e que contribua para a defesa da paz no mundo».
A saudação é estendida às mulheres que por todo o mundo lutam contra as políticas que «estão na causa de graves flagelos sociais, como a pobreza e a fome, o trabalho escravo, o trabalho infantil, a venda de órgãos, a prostituição, as barrigas de aluguer» e «negam direitos fundamentais, como o direito ao trabalho, à educação, o direito à saúde, ao planeamento familiar, à interrupção voluntária da gravidez, o direito à habitação, à água e ao saneamento, o direito à terra».
Também não foram esquecidas aquelas que combatem as «políticas que são cúmplices com práticas inaceitáveis como o casamento infantil, a mutilação genital feminina, a criminalização do aborto, o tráfico de seres humanos, incluindo para fins sexuais, com a prática da violação, incluindo em zonas de conflito e de guerra».
Referidas foram assim as mulheres da Síria, do Yémen, do Iraque, da Líbia, do Afeganistão, da Palestina, do Sahara Ocidental, de África e da América Latina.
No final actuou o Grupo «Segue-me à Capela», um grupo de sete mulheres que trabalha a música tradicional portuguesa numa perspectiva contemporânea, usando a voz como principal instrumento.
PCP em defesa dos direitos das mulheres
Na sexta-feira, 6, uma centena de pessoas participou, na União Banheirense, num almoço de comemoração do Dia Internacional da Mulher, organizado pela Célula dos Trabalhadores da Autarquia da Moita do PCP. A iniciativa contou com a intervenção de Sandra Pereira, deputada no Parlamento Europeu, que abordou a realidade da luta das mulheres.
Antes, no Barreiro, Sandra Pereira, acompanhada por Sofia Martins, vereadora na Câmara Municipal, distribuiu cravos e o folheto do PCP alusivo ao 8 de Março, intitulado «Combater as injustiças. Exercer direitos. Combater a igualdade na vida».
O documento dá a conhecer os avanços conseguidos na Assembleia da República (AR) pela «acção e luta do PCP», como a gratuitidade das creches para as crianças até aos três anos (mais de 56 mil crianças abrangidas» ; distribuição gratuita no ano lectivo de 2020/2021 de manuais escolares novos a todos os alunos do 1.º ciclo; aumento extraordinário das pensões em 2020 abrangendo cerca de dois milhões de reformados ; definição de condições de acesso à reforma para pessoas com deficiência; criação do Gabinete de Acolhimento ao Cuidador Informal.
Combater a discriminação
No mesmo dia, o PCP apresentou na AR um projecto de lei onde se propõe que as profissionais das forças de segurança, que por motivo de gravidez deixem de desempenhar missões que impliquem suplementos remuneratórios, sejam «compensadas por essa perda através da percepção de um suplemento que corresponda à média dos suplementos auferidos nos últimos seis meses anteriores à gravidez».
Saudação de Jerónimo de Sousa
Assinalando o Dia Internacional da Mulher, o Secretário-geral do PCP dirigiu, no sábado, 7, uma «calorosa saudação às mulheres, numa data tão marcante da sua luta pela sua emancipação». «Trata-se de associar a comemoração deste dia ao reforço da luta organizada das mulheres, uma luta de todos os dias contra a dupla exploração laboral, as desigualdades, discriminações e violências que as penalizam, pela construção das alternativas políticas transformadoras da sociedade que contribuam para a sua emancipação social», salientou.
Na mensagem, Jerónimo de Sousa afirmou que as mulheres podem contar com o PCP no combate às «falsas políticas de igualdade» e assumiu o compromisso «com a prevenção e o combate a todas as formas de violência sobre as mulheres, no trabalho, na família e na sociedade».
Para o PCP, a igualdade na vida das mulheres significa:
# Reduzir o trabalho semanal para as 35 horas;
# Cumprir os direitos de maternidade e paternidade;
# Promover uma resposta pública, articulada e descentralizada, de prevenção e combate à violência doméstica;
# Investir nos serviços públicos de qualidade para assegurar o direito à saúde, à cultura, à justiça e transportes.