Impeachment: polarização ou táctica?

Ângelo Alves

Republicanos e Democratas partilham a mesma «visão estratégica»

A Câmara dos Representantes dos EUA aprovou no passado dia 18 de Dezembro os dois artigos de impeachment (impugnação) que acusam o Presidente norte-americano de abuso de poder e de impedimento ao funcionamento do Congresso. No centro do processo que teoricamente poderia levar à destituição do Presidente dos EUA está a acusação de que Donald Trump teria usado a «ajuda militar» ao regime fascista ucraniano para pressionar Zelensky a iniciar um processo de investigação contra Joe Biden, ex-vice presidente de Obama e um dos pré-candidatos do Partido Democrata às eleições presidenciais de 2020, e o seu filho Hunter Biden, por corrupção.

O processo segue, no início de 2020, para o Senado, onde os Republicanos têm maioria. Observando a votação na Câmara dos Representantes – onde todos os congressistas republicanos votaram contra os diplomas de impeachment – é fácil concluir que o processo no Senado será derrotado, podendo inclusive ser arquivado logo no seu início, não havendo sequer, nesse caso, «julgamento».

Impõe-se então a pergunta do porquê de um impeachment derrotado à partida. As respostas «dominantes» são duas: a «segurança nacional», porque Trump teria usado a política externa para interferir na situação nacional e isso é inadmissível; e uma «polarização política» nos EUA. Nancy Pelosi usou palavras pesadas: Trump «é uma ameaça constante à segurança nacional« e «a visão de República dos nossos pais fundadores está ameaçada pelas acções da Casa Branca».

Mas serão estas as respostas certas? Os EUA são a principal potência imperialista a nível mundial, as acções das suas sucessivas administrações no plano externo são constante e propositadamente confundidas com a «segurança nacional» e servem interesses económicos e políticos do regime norte-americano. A História dos EUA está pejada de exemplos de chantagens, conspirações, guerras e corrupções ditadas pelos interesses que detêm o poder económico e político nos EUA, e crimes como as sucessivas guerras de agressão são comummente utilizados na situação política interna nos EUA, nomeadamente em tempo de eleições. A acusação feita a Trump poderia ser feita a muitos outros presidentes norte-americanos e as centenas de milhares de milhões de Dólares que todos os anos são pedidos aos contribuintes norte-americanos para financiar as guerras, ingerências e os regimes «protegidos» pelos EUA, fazem parte da «visão da república» de que Nancy Pelosi fala.

A verdade é que o Partido Democrata partilha dessa «visão» estratégica. O que está em causa com este impeachment são diferentes visões tácticas correspondentes a diferentes interesses dentro do sistema de poder norte-americano, e não a essência da política. Uma das provas disso aconteceu na semana da votação do impeachment: os democratas aprovaram, na Câmara dos Representantes e no Senado várias autorizações de despesa (o orçamento) que garantem a Trump os meios necessários para levar por diante projectos como a desmontagem do Obamacare (tão querido aos democratas), a conclusão do muro com o México ou a construção de campos de concentração para imigrantes; e aprovaram nas duas câmaras o orçamento record do Pentágono de 738 mil milhões de dólares, que permitirá aos EUA continuar a financiar regimes como a Ucrânia, a financiar guerras como a do Iémene ou da Síria e a lançar a militarização do Espaço.

 



Mais artigos de: Opinião

Anti-quê?

Donald Trump aprovou há dias uma ordem executiva com o propósito anunciado de combater o anti-semitismo nas universidades norte-americanas. De imediato, a organização Voz Judaica pela Paz veio a público garantir que a medida não visa fazer face ao «terrível incremento do anti-semitismo» nas universidades, que é real,...

Não há dinheiro para quem?

Invariavelmente, quando se coloca a questão da necessidade do aumento dos salários, a vozearia da ideologia dominante responde que se está a pedir o impossível, pelo simples facto de que falta o dinheiro. «Não há dinheiro», dizem com a mesma desfaçatez com que o fascismo declarava que «Portugal é um País naturalmente...

Seis barragens e nove meses

A anunciada intenção da EDP de vender, por 2,2 mil milhões de euros, seis barragens da bacia hidrográfica do Douro a um consórcio francês é mais uma dura machadada no sector e na soberania energética nacional, suscitando três reflexões. A primeira é que, como o PCP sempre afirmou, a privatização de sectores estratégicos...

Herr Tomás

Mais uma vez, o Orçamento do Estado não contempla as verbas necessárias à ferrovia portuguesa. O Governo justifica essa falta de investimento com as orientações recebidas da UE, ou seja, da Alemanha. Mas essas orientações que o Governo português segue tão obedientemente são as mesmas que essa Alemanha olimpicamente...

Combater a demagogia

O que têm em comum uma situação de desacatos num quartel de bombeiros, a agressão a uma professora grávida, a dificuldade no socorro pelo INEM, o julgamento de um processo de corrupção, o aumento do número de mortes de mulheres na gravidez ou o acolhimento de imigrantes entrados em Portugal de forma ilegal?