Reacção, populismo e obscurantismo

Manuel Rodrigues (Membro da Comissão Política)

A convite do Presidente da República, João Miguel Tavares (JMT) presidiu à Comissão Organizadora das Celebrações do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas e, nessa qualidade, discursou em Portalegre, no dia 10 de Junho. Aproveitando a oportunidade, JMT deu expressão às suas concepções reaccionárias e obscurantistas.

No discurso do 10 de Junho não houve referências ao 25 de Abril

Diz JMT que os portugueses lutaram pela liberdade em 1974, pela democracia em 1975, pela integração na Comunidade Europeia nos anos 80 e pela entrada na moeda única na década de 90. Mas que não é fácil saber por que lutamos hoje.

Devia saber JMT que os portugueses, ou seja, os trabalhadores e o povo português, com o destacado papel do PCP, lutaram, de facto, pela liberdade e pela democracia durante os 48 anos de fascismo. Lutaram pelo avanço da Revolução de Abril e suas extraordinárias conquistas (que não lhe merecem qualquer referência). Lutaram e lutam em defesa dessas conquistas e valores fustigados pela política de direita (da responsabilidade do PS, PSD e CDS); lutaram e lutam por uma política alternativa que dê resposta aos problemas dos trabalhadores, do povo e do País.

Mas não lutaram, como afirma, pela integração de Portugal na Comunidade Europeia ou pela entrada na moeda única, que lhe foram impostas pelo capital monopolista e seus partidos de serviço: PS, PSD e CDS. Lutam, isso sim, contra os perniciosos efeitos da submissão à União Europeia e ao euro e pelo desenvolvimento soberano do País.

Conclui JMT que há «um grande desinteresse pela política» e responsabiliza «os nossos fracassos»: a corrupção, a lentidão da justiça e a falta de empenhamento da classe política. Lamenta, de forma especial, que a ascensão social (o «elevador social», como lhe chama) não se faça pelo talento, o mérito e o trabalho e que um jovem de 20 anos tenha de competir «com uma geração mais velha já licenciada, integrada num mercado de trabalho rígido que confere muita protecção a quem tem um lugar no quadro» e muito pouca «a quem não o tem».

Transformar a sociedade

Ora, aí temos a velha tese dos «políticos todos iguais»: os que estiveram nos governos do PS, PSD e CDS ao longo de décadas e os que, como o PCP e a CDU, estiveram na oposição e combateram a política de direita; os que se servem da política para enriquecer e promover a concentração da riqueza e os que lutam pelo progresso e a justiça social; os que servem clientelas, grupos monopolistas, esquemas de corrupção e os que servem os trabalhadores, o povo e o País.

É muito evidente ao longo de todo o discurso que JMT não quer mobilizar para a transformação progressista da sociedade. O seu sentido é outro: pela via populista, promover, sobretudo junto dos jovens, a acomodação, a resignação e o conformismo e, se possível, fazer deles tropa de choque contra os valores de Abril. Afastá-los da luta organizada pelos seus direitos ou mobilizá-los contra esses mesmos direitos.

O discurso meritocrático insere-se no mesmo propósito de fazer passar a ideia de que todos têm igualdade de oportunidades de «ascensão social» desde que o mérito individual seja reconhecido. Outra tese de sentido reaccionário que importa desmistificar. A emancipação social não se atinge pelo reconhecimento do mérito individual ou pela correspondente competição social ou geracional. Consegue-se lutando pela construção de uma sociedade com direitos para todos, de justiça e progresso social, a caminho da eliminação da exploração do homem pelo homem. Essa sim, sociedade verdadeiramente democrática, onde todos e cada um terão plena realização.

Na edição do Público de 15 de Junho, a propósito de reacções a este discurso, vem JMT garantir que nunca fez, não faz e não crê que venha a fazer «política».

É o cúmulo do cinismo. Como se este discurso não estivesse carregado de mensagens políticas e ideológicas de cariz populista, reaccionário e obscurantista.

Confrontando o discurso do PR na mesma cerimónia percebe-se melhor porque foi JMT o escolhido. Com tais discursos, quem ficou a perder foram Portugal e as comunidades portuguesas, que do que precisam é de avançar e não de andar para trás, como pretendem concepções deste jaez.




Mais artigos de: Opinião

Cooperação com base em princípios

A arrumação de forças no Parlamento Europeu, na sequência das eleições de 26 de Maio, confirma que com a significativa e inédita perda da maioria do número de deputados no PE por parte dos partidos da chamada «social-democracia» e da direita – que têm sido responsáveis pela condução do processo de integração capitalista...

Sombras

Com ar de novidade foi dado conta de que o PCP está «sub-representado» no comentário político. Passe o exagero do padrão de medida, «sub-representação», registe-se ainda a referência adicional que, somando para discriminação de que o PCP é alvo, comprova que o Secretário-geral e João Ferreira, surgem na cauda dos tempos...

Os divisionistas

As manobras de divisão promovidas pelo capital procuram colocar trabalhadores da produção directa contra os indirectos, que supostamente ganhariam à conta do que os primeiros produziam; os mais jovens, sem direitos, contra os mais velhos, cheios de «regalias e privilégios»; os trabalhadores com vínculo precário, com...

Gratuitos!

1999: «gratuitidade dos livros escolares para toda a escolaridade obrigatória». 2009: Medidas urgentes: «distribuição gratuita dos manuais escolares para todo o ensino obrigatório, já a partir do próximo ano lectivo». 2015: Medidas urgentes: «distribuição gratuita dos manuais escolares a todos os alunos do ensino...

Recuará?!...

O Secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, na sua barrigal figura fez novas ameaças, com um pormenor: desta vez copiou Colin Powell, o seu homólogo na administração George W. Bush, que em 2003 andou pela Europa a mostrar uns desenhos animados que, segundo o homem, provavam a produção de armas de destruição maciça pelo...