A cavalgar
Este ano, a calamidade dos incêndios em Portugal foi tão extensa e grave que forçou o Governo de António Costa a avançar algumas medidas enérgicas a que o próprio Executivo se mostrava alheio, há alguns meses, como é o caso da intervenção pública no SIRESP (o sistema de comunicações alugado a privados e que falhou, mais uma vez, em toda a linha) ou a entrega do dispositivo de ataque aéreo aos fogos à responsabilidade da Força Aérea – isto dando apenas dois exemplos.
Para não variar, a oposição dedilhou as mesmas teclas que utiliza há largos meses.
O PSD, pela voz do deputado Carlos Abreu Amorim, esse homem fatal, reivindicou mais uma vez as medidas tomadas pelo Governo sobre os incêndios, no conselho de ministros extraordinário do passado sábado, acusando de caminho o Executivo pelas consequências do atraso em implementar essas medidas «já propostas» pelo PSD, escusando-se, como de costume, a identificá-las e a situá-las.
O CDS foi mais longe, aproveitando a falta de iniciativa política gerada pela busca de liderança no PSD. E não esteve com meias-medidas, propôs uma moção de censura ao Governo.
«Dar voz a quem não a tem» surgiu como expediente moral de Assunção Cristas e sus muchachos para a tal moção, pressupondo-se que o CDS da aguerrida senhora acha que o País necessita também de ficar sem Governo (que é para o que servem as moções de censura), nestes tempos de dor e de desespero em que já ficou sem tanta coisa.
Mas há um outro pormenor, nesta moção de censura de Assunção Cristas, a merecer atenção e destaque.
É que a senhora dirigente do CDS foi ministra da Agricultura durante todo o governo Passos/Portas, sendo a responsável directa de medidas legislativas para facilitar a plantação indiscriminada de eucaliptos ou da extinção de postos de sapadores florestais ou ainda a fragilização da vigilância florestal, para além de múltiplas medidas reduzindo capacidades e meios aos elementos e serviços de protecção civil, nomeadamente os bombeiros.
Em rigor, Assunção Cristas tem responsabilidades políticas directas na situação que desembocou nas tragédias dos incêndios no nosso País, ao cortar verbas e meios com a impunidade que se tem no exercício do poder. Responsabilidades que, além de conhecidas, são identificáveis e também quantificáveis.
É quase inacreditável que uma pessoa com este currículo surja agora como paladina impoluta de florestas e povoações rurais, utilizando um argumentário contra o actual Governo que podia (e devia) auto-infligi-lo em relação à miserável política florestal que ela própria conduziu e praticou, durante quatro anos e meio de ministra da Agricultura.
Há quem fale em cavalgar a onda.
Aqui, cavalga-se despudoradamente a desgraça.