Corroído e inconformado
Há tentações irreprimíveis. Mesmo quando se pretende cultivar um certo ar de urbanidade de opinião e manter por desvendar aquilo que se é. Será o caso de um conhecido comentador que, saltitando entre o que diz em rádio e o que escreve em papel de jornal, tomando para si as dores de quem bem se calcula e não querendo deixar por mãos alheias o que tem a seu crédito de anticomunismo, esparramou o inconformismo que lhe vai na alma. À pertinência da questão colocada pelo Secretário-geral do PCP no debate parlamentar com o primeiro-ministro, se estaria o Governo disposto a atribuir à floresta e às consequências dos incêndios a verba despendida com o BANIF, Raul Vaz, a supracitada personagem, desembainhou em termos de inquirição a pergunta se estaria Jerónimo de Sousa disposto a «abdicar das benesses ao eleitorado do PCP». Percebe-se que a pergunta o tenha incomodado. Lembrar os desmandos da banca, pôr em causa essa gesta de honrados banqueiros que do BPN ao BES provaram essa supremacia da gestão privada, tocar nos interesses desse saco sem fundo por onde, tal sumidouro, se esvaem dezenas de milhões de euros é afronta que não deixa sem resposta. Talvez menos bem se perceba o desafio que irritadamente esgrimiu. Se Raul Vaz, quando fala de benesses, alude ao aumento extra de pensões de reforma para mais de milhão e meio de reformados, o descongelamento na progressão de carreiras de 400 mil trabalhadores, ao desagravamento fiscal de quase três milhões de pessoas, à melhoria do abono de família para dezenas de milhares de famílias ou à gratuitidade de manuais escolares para milhares de crianças, e as identifica com o eleitorado do PCP, saudamos a generosidade do comentário. Não era preciso tanto. Bastava que dissesse que aquilo que sinceramente o incomoda é o papel e a iniciativa do PCP na vida política nacional e sobretudo aquela saudade que o corrói de nunca mais ver regressado o tempo dos roubos de salários, reformas e direitos.