A UNESCO e o imperialismo

Ângelo Alves

Os EUA e Israel abandonam a UNESCO porque não toleram que a Palestina tenha um tratamento igual aos outros estados

A administração dos EUA e o governo israelita anunciaram a sua retirada da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, a UNESCO.

Importa desde já realçar duas questões prévias.

A primeira é que a UNESCO é uma Organização da ONU com uma missão vasta e importante. A sua criação, em 1945, logo após o final da II Guerra Mundial, resultou da ideia de que «não bastam os acordos políticos e económicos para estabelecer uma paz duradoura». Segundo os seus documentos fundadores essa paz deve ser construída com base no diálogo entre nações e culturas. O respeito pela diversidade e o diálogo cultural; a educação como direito universal; o acesso por todos – em particular pelas crianças – aos avanços da ciência; a liberdade de expressão; o direito das crianças, e dos cidadãos em geral, ao desenvolvimento e à dignidade humana são alguns dos valores proclamados pela UNESCO. É desta estrutura internacional, e da sua missão, que EUA e Israel se retiram.

A segunda nota é que, no caso dos EUA, esta decisão não é nem inédita, nem da exclusiva responsabilidade de Trump. Em 1984 a administração Reagan tomou idêntica decisão que só seria revertida 18 anos depois, em 2002. E… em 2011, a administração Obama suspendeu, até aos dias de hoje, o pagamento das quotas àquela organização na sequência da admissão da Palestina como membro de pleno direito da UNESCO. Israel haveria de proceder de forma igual. Ambos dão agora, de forma coordenada, o passo consequente de abandonar a UNESCO.

Os EUA e Israel abandonam a UNESCO porque não toleram que a Palestina tenha um tratamento igual a todos os outros estados do Mundo. Mais, abandonam porque a UNESCO classificou vários locais da Palestina como Património Mundial tendo-os referenciado como património em risco, como é o caso da cidade velha de Hebron e da Mesquita de Ibrahimi. Abandonam porque a UNESCO se «atreveu» a tecer críticas a Israel sobre a sua política em Jerusalém relativamente ao complexo da mesquita de Al-Aqsa e porque o processo de designação do novo Director Geral da organização apontava para uma forte probabilidade da eleição de um árabe (ou do Qatar ou do Egipto), facto que não se veio a verificar, tendo sido eleita a francesa Audrey Azoulay, ministra da Cultura no governo de Hollande.

Mas, verdadeiramente, esta decisão não surpreende aqueles que há muito denunciam a instrumentalização da ONU pelas grandes potências. O facto real no meio desta história é que Israel é que tem gozado de uma escandalosa impunidade pelas ilegalidades que comete. O que é verdade é que Israel e os EUA são os autores de algumas das maiores violações da Carta das Nações Unidas e de inúmeras resoluções da Assembleia Geral e do Conselho de Segurança.

Mas o caso da UNESCO dá-nos ainda mais dois elementos. O primeiro é a necessidade de uma reforma da ONU que valorize mais o papel da sua Assembleia Geral. O segundo é que este facto vem comprovar aquilo que sempre dissemos: os EUA só respeitam ou invocam a ONU e o Direito Internacional quando isso vai de encontro aos seus objectivos, caso contrário desrespeitam-no abertamente e declaram-lhe guerra. E isso não é uma visão exclusiva de Trump. É a visão imperialista do Mundo.




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