Cegueira
Os noticiários televisivos são bastas vezes aterrorizantes, tal a violência, quantas vezes subliminar, que transmitem, mas a edição desta segunda-feira na SIC merecia certamente a bola vermelha no canto superior direito, quanto mais não fosse para que os incautos telespectadores não tomassem como «normal» o que de facto é motivo para os piores pesadelos. Assunto: uma peça sobre a florescente indústria de drones em Israel, que tanto pelo que se disse como pelo que se omitiu só pode suscitar as maiores apreensões.
A reportagem foi feita nos Montes Golã, território sírio ocupado por Israel desde 1967, na Guerra dos Seis Dias e anexado em 1981 «para sempre», como ainda no ano passado afirmou Benjamin Netanyahu, informação que não podendo ser considerada despicienda não foi no entanto trazida à colação. O que se disse, como se de coisa natural se tratasse, foi que os drones são hoje os «olhos de Israel», que os utilizam desde a guerra do Líbano, em 1982 – e de novo sem qualquer esclarecimento sobre esta guerra –, e que o investimento neste tipo de aviões é de tal modo intenso que Israel é actualmente o primeiro exportador mundial de drones e até «por vezes aluga os seus serviços», como sucedeu por exemplo no Mundial de Futebol no Brasil, em funções de segurança, onde até «filmaram golos» para atestar a sua eficácia. Mas a utilização dos drones pouco tem a ver com jogos de futebol, como de resto a peça reconhece quando refere a sua crescente importância nas guerras que assolam o mundo, citando os casos do Afeganistão, Líbia, Iémene, Iraque e sobretudo da Síria.
Sem nunca se desviar do registo meramente factual, a reportagem deu conta da utilização de drones em escutas telefónicas e em vigilância; referiu a autonomia de que dispõem para cobrir dez mil quilómetros quadrados por hora; a sua grande pontaria que «poupa vidas»; e apresentou até a nova coqueluche do fabricante, a empresa Elbit Systems: o «drone suicida», que como o nome indica é uma espécie de bomba inteligente que identifica, persegue, atinge e destrói o alvo... e se destrói.
Mais se ficou a saber que para além Israel também os EUA investem em grande nestas novas armas, de tal modo que os norte-americanos treinam hoje já mais pilotos de drones do que pilotos da força aérea, de modo a que as guerras conduzidas por Washington possam ser cada vez mais travadas em segurança a partir de bases militares situadas a milhares de quilómetros de distância dos inimigos a abater.
No que foi classificado como «game of drones», como se tudo isto não passasse de um jogo de computador, não se questionou uma única vez a razão de ser de tais armas. Como se os «olhos de Israel», que a cegueira de Israel acredita que virão a ser no futuro uma presença constante nos céus das principais cidades do mundo, fossem uma fatalidade a que todos teremos de nos submeter e até aplaudir em nome da tão propalada «segurança». Como se, parafraseando Brecht, os pesadelos do homem não fossem obra de outros homens.