«Eu quero ser boss!»

Margarida Botelho

A nova cam­panha de pro­moção do en­sino pro­fis­si­onal da Agência Na­ci­onal que o tu­tela é um tra­tado ide­o­ló­gico. A frase mais des­ta­cada dos car­tazes e dos anún­cios das te­le­vi­sões é «Me­lhor do que falar, é fazer.» E de­pois des­dobra-se em frases saídas da boca de uns bo­ne­qui­nhos de ar su­pos­ta­mente jovem que dizem: «eu quero ter su­cesso!», «eu quero ser o me­lhor!», «eu quero em­prego!», «eu quero ser boss!».

Qual for­mação in­te­gral, qual aprender uma pro­fissão, qual ca­ra­puça. O que os jo­vens querem é su­cesso, ser o me­lhor, mandar – pelo menos na ideia de «jo­vens» que esta agência go­ver­na­mental tem e quer criar.

É que este tipo de cam­panha é feita com dois ob­jec­tivos: ao mesmo tempo que pro­cura que a ju­ven­tude se re­veja nestas con­cep­ções, que as re­co­nheça como suas, também as pro­jecta como os va­lores que esta deve se­guir.

É assim que se deve ler a frase feita do «me­lhor do que falar, é fazer»: se por um lado apela ao lado ac­tivo pró­prio da ju­ven­tude, por outro es­tig­ma­tiza o pros­se­gui­mento de es­tudos, a ida para o En­sino Su­pe­rior, os que falam, falam, falam e não os vejo a fazer nada – como imor­ta­li­zaram os Gato Fe­do­rento.

«Ter su­cesso», «ser o me­lhor» são os ob­jec­tivos clás­sicos do em­pre­en­de­do­rismo da moda, da com­pe­tição, do salve-se quem puder. «Ser boss», mesmo des­con­tando o uso pa­rolo do in­glês numa cam­panha de um ins­ti­tuto pú­blico, é um sím­bolo maior dessa ideia de que mandar, ser pa­trão, ter um ne­gócio seu, é a maior as­pi­ração que qual­quer ser hu­mano pode ter.

Talvez a me­lhor frase desta cam­panha seja mesmo a mais sim­ples: «eu quero ter em­prego!». Não sa­bemos se a Agência Na­ci­onal para a Qua­li­fi­cação e o En­sino Pro­fis­si­onal en­co­mendou algum es­tudo para co­nhecer os mo­tivos pelos quais os jo­vens optam pelo en­sino pro­fis­si­onal, mas é quase certo que «ter um em­prego» seria a res­posta mais vezes dada. O em­po­bre­ci­mento das fa­mí­lias dos jo­vens es­tu­dantes por­tu­gueses, as di­fi­cul­dades eco­nó­micas e so­ciais para com­pletar até a es­co­la­ri­dade obri­ga­tória, os custos de frequência do En­sino Su­pe­rior, os cortes nos apoios so­ciais, tudo con­corre para que os jo­vens vivam numa enorme pressão e sejam em­pur­rados para o en­sino pro­fis­si­onal. Em que con­di­ções e com que con­sequên­cias já não cabe neste ar­tigo.

 



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